Semana retrasada, depois das sentidas mortes de João Ubaldo Ribeiro e Rubem Alves, perdermos Ariano Suassuna. Me tocou escrever um texto sobre ele e fui para a internet à procura da bibliografia.
Foi assim que encontrei esse vídeo em que Suassuna fala sobre a banda Calypso, aquela dos paraenses Joelma e Chimbinha. Meio lorde, meio brejeiro, o paraibano inicia por mostrar à plateia uma reportagem dedicada à dupla brega pop. Para ilustrar seu comentário, lembra dos versos de um dos sucessos da banda: "Se você quiser me conquistar/ você tem que suar/ Se você quiser me conquistar/ você tem que balançar/ Se você quiser me conquistar/ você tem que rebolar". E capricha no final do refrão: "Uou, uou, uou, uou, uou, uou".
Assista ao vídeo:
Com um sentido do humor e do ridículo notáveis, Suassuna consegue, por meio do riso, expor a fragilidade e a inconsistência desses fenômenos provisórios. Indignado, não poupa nem o autor da matéria, que escreveu que a Calypso é "um superbrega que é cara do país". O autor de O Auto da Compadecida xinga o jornalista: "Só não lhe digo o que sua cara parece porque respeito as mulheres e sua mãe".
Além do tom divertido de Ariano, me chamaram a atenção os comentários dos internautas fãs da Calypso. Destilando ódio, havia aqueles que chamavam Suassuna de "idiota" ou "velho gagá", além de perguntar "quem esse imbecil acha que é?". Também insinuaram que ele invejava "as três mansões" de Joelma e mandaram que ele "lavasse a boca" antes de falar mal de Chimbinha. Havia outras injúrias, impossíveis de serem aqui repetidas.
Fundador do Movimento Armorial, que pretendia elevar a arte popular ao patamar da erudição, Suassuna era um intelectual atuante. Apesar de alguns o considerarem elitista, os xingamentos dos fãs da Calypso espantam pela carga de virulência - ainda mais dirigida a um homem que era sabidamente gentil e que defendia suas ideias num plano civilizado.
Pode (e deve) ser que os comentários não espelhem o pensamento da Calypso. Mas, num período de perdas e mortes, a carga de ódio, o despreparo, o ressentimento, a ignorância, o preconceito contra os velhos e contra a erudição caem muito mal. Pior: esse conjunto de coisas parece ser uma constante em todos os assuntos, tornado ainda mais grave porque o alvo de tanta ira é, aqui, um senhor provecto e doce feito um mel. Ele não merecia.