
Jorge Furtado costuma transitar entre a comédia e o documentário, mas fazia tempo que não aparecia com um filme não ficcional tão instigante quanto O Mercado de Notícias. Não que o longa, que estreia hoje no circuito, articule diversas camadas narrativas para revelar uma realidade surpreendente, algo típico de alguns de seus melhores momentos (com Ilha das Flores, para ficar no exemplo mais notável). O novo filme diz a que veio de forma simples e direta. E reiterada, conforme passam seus 94 minutos de duração: o jornalismo, no Brasil, precisa de uma grande reflexão.
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Obcecado pelo tema, o diretor e roteirista descobriu na peça homônima do britânico Ben Jonson, publicada em 1625, uma "espantosa visão crítica, capaz de perceber na imprensa de notícias, recém-nascida, uma invenção de grande poder". Combinou encenações de trechos do texto com entrevistas de 13 jornalistas reconhecidos nacionalmente para formular um discurso abrangente sobre o tema, que dá conta de muitos dilemas e pormenores do ofício. Em grande parte do tempo, esse discurso tem caráter uníssono, já que são muitos os momentos de opiniões convergentes - o que não deixa de ser surpreendente, dada a fase de transição e incertezas pela qual passa o jornalismo.
Quando questões polêmicas são abordadas (sobre censura e imparcialidade, por exemplo), O Mercado de Notícias cresce. Fica melhor ainda quando Furtado decide, ele próprio, virar repórter, seja para fiscalizar o comportamento da imprensa (no episódio do falso escândalo da Escola Base, em 1994) ou para dar cabo de investigações ainda não realizadas. É o caso do trecho em que o cineasta se veste de Michael Moore e vai até uma repartição do INSS escancarar um engano nacional - a confusão quanto a uma reprodução barata de um quadro de Picasso, inacreditavelmente tido como a pintura original.
Ao cobrar a diferença de comportamento dos veículos da chamada grande mídia nos governos Lula e Dilma, na comparação com seus antecessores, Furtado revela a motivação política de O Mercado de Notícias. Seu discurso, no entanto, é mais complexo. Primeiro porque, ao trazer Ben Jonson ao debate, evidencia a atemporalidade do vínculo entre imprensa e poder - "mercado", para usar um termo presente no filme desde o título. Segundo: ao desmontar uma polêmica eleitoral com o então candidato à presidência José Serra usando apenas imagens do YouTube, não deixa de revelar, também, o quanto estes tempos transitórios são marcados pela democratização da produção de conteúdo, por assim dizer, midiático.
Os depoimentos ajudam a entender o sentido de permanência do jornalismo em meio à difusão massiva desse tipo de conteúdo, atuando como elementos complementares na construção narrativa de O Mercado de Notícias. Furtado é claro quando precisa ser claro. Mas também sabe trabalhar com uma abordagem menos óbvia, a exemplo de quando explora a metalinguagem do texto de Jonson - a participação das personagens Expectativa, Tagarela, Censura e Prazeres, no palco de um Theatro São Pedro vazio, tem efeito estimulante para o espectador.
Essa capacidade de unir o que precisa ser dito com o que pode ser sugerido é que faz de O Mercado de Notícias, em si, uma ótima notícia.
O Mercado de Notícias
De Jorge Furtado
Documentário, Brasil, 2013, 94min, 10 anos
Estreia nesta quinta-feira, em Porto Alegre (no CineBancários, no Espaço Itaú e no CinEspaço Wallig)
Cotação: 4 estrelas (de 5)
>> Confira, no site oficial do filme, a íntegra das entrevistas com cada um dos 13 jornalistas ouvidos por Jorge Furtado