
Era para ser apenas uma única crônica, algo fora da rotina da (até então) publicitária Martha Medeiros. A boa repercussão rendeu o convite para um segundo texto, um terceiro, e assim por diante... Duas décadas depois, as crônicas de Martha figuram periodicamente em ZH, veículo em que foram publicadas pela primeira vez, no jornal O Globo e em 10 coletâneas. A trajetória de sucesso pode ser revisitada agora nos recém-lançados volumes Paixão Crônica, Felicidade Crônica e Liberdade Crônica.
- Não imaginava me tornar cronista de jornal, um amigo jornalista leu textos que eu andava escrevendo e os levou para a ZH. Meses depois, perguntaram se podia publicar um deles - conta a autora.
É a primeira vez que a reunião de textos foi feita por temas - os livros anteriores tratavam de reunir as crônicas mais recentes. Com o recorte temporal de 20 anos, Martha acredita que seu desenvolvimento como cronista ficará evidente para o leitor em cada um dos volumes:
- Quando comecei a publicar, chutava mais o balde. Com o tempo, o tom ficou mais sereno e responsável, mas isto não me impede de dizer o que penso, mesmo que contrarie outras pessoas.
Algumas características marcantes permanecem ao longo do tempo. Entre elas, está o tom de diálogo com o leitor, como se o narrador fosse um amigo a contar uma história. A autora expõe suas opiniões, na maior parte das vezes ancoradas em histórias pessoais, tratando de amor, sexo, família e outros temas sem medo de expor seus gostos e vivências.
Cada livro é composto por 101 crônicas, agrupadas em tópicos. Felicidade Crônica, por exemplo, é subdividido em Curtir a Vida, Amor-próprio, Família e Outros Afetos e Viagens e Andanças. Enquanto isso, Liberdade Crônica traz temas como A Mulher Contemporânea e Fé e Equilíbrio; e Paixão Crônica tem divisões como Amor e Dor e Sexo.
- Falo sobre o que acontece no nosso íntimo, o que sentimos, o que pensamos, como agimos, o que julgamos importante. Isso não é gaúcho nem carioca, nem paulista: são aspectos humanos que se repetem independentemente de diferenças culturais - analisa a escritora.
Trechos dos lançamentos:
"A liberação sexual concedeu às mulheres o direito de reivindicar aqueles 10 segundos de plenitude máxima em que elas esquecem que têm estrias e que a taxa do condomínio vai aumentar: orgaaaaaaaaasmo!! Quem não tem, quer o seu. É um direito legítimo e intransferível. Um revista deu até matéria de capa na semana passada: diz que a ciência está ajudando as mulheres a terem mais prazer sexual. Parece um progresso essa discussão, mas talvez não seja. Uma tia minha, habitante da casa dos 70, resume o que penso: 'Esta história de não ter orgasmo é coisa da modernidade. No meu tempo, todo mundo tinha orgasmo, ninguém perdia tempo com essa conversa'". De "Procura-se Orgasmo", junho de 2001, em Paixão Crônica.
"A felicidade não está concentrada nos pronunciamentos do ministro da Economia, nem na cobertura com quatro suítes anunciada no jornal, nem na concessionária da esquina. A felicidade tampouco está em algum serviço com prefixo 0900, não está em Bali e nem na farmácia que vende antidepressivo sem receita. Essa tal felicidade, mais procurada que bandido de história em quadrinho e filho desaparecido, não mora num único endereço. Ela tem uma escova de dentes em cada lugar.
Se não me engano foi Freud quem disse que, assim como um prudente homem de negócios não coloca todo seu capital num único investimento, não se deve esperar toda a satisfação de uma única fonte. Os riscos são altíssimos". De "Freud em Wall Street", março de 1999, em Felicidade Crônica.
"Adoro bossa nova, sou louca por jazz, este ano curti com alegria Norah Jones, Jorge Drexler, John Pizzarelli, Madeleine Peyroux, mas nada se compara ao poder eletrizante de um guitarrista clássico, e estou falando logicamente da lenda que acabou de se apresentar no Brasil, Buddy Guy, que não tem nada de cool, e sim de incendiário. Nessas horas minha sofisticação vai pro ralo e eu quero mais é... é... sei lá, devo ter sido uma stripper em outra encarnação". De "Guitar Man", dezembro de 2005, em Liberdade Crônica.