
De terça a sexta nesta semana, personagens vão pisar as ruas de Porto Alegre com pés inventados e olhos de faz-de-conta, que é para achar uma cidade que se disfarça, tipo um personagem sempre igual, se a gente a enxerga sempre do mesmo jeito. A proposta é do Cidade Transmídia, criação brasileira que, iniciada na Espanha em 2010, chegou em 2013 ao Rio de Janeiro e, nos últimos meses, passou por Santa Maria, Caxias do Sul e Pelotas.
- Quando assumimos o olhar do outro, ainda mais um outro inventado, o nosso olhar se abre para coisas que a gente jamais perceberia - diz Camila Farina, diretora da agência cultural Maria Cultura e fundadora do Cidade Transmídia ao lado de Lenara Verle e Tiago Lopes.
Lenara Verle, Camila Farina e Tiago Lopes, fundadores do Cidade Transmídia. Foto: Divulgação

Funciona assim: os participantes são divididos em grupos que, em conjunto, criam personagens e estabelecem um trajeto no mapa da cidade. Depois, é só se lançar em uma deriva psicogeográfica. Como essa caminhada deriva de uma pegada situacionista, não basta encarar o meio urbano fingindo ficção - há que deixar rastros pela cidade, que de ambiente opressor passa a cenário aberto à intervenção:
- O terrorismo poético produz, simultaneamente, as sensações de estranhamento e de encantamento. Gosto muito da personagem Arlinda, fantasma de uma atriz que viveu em Santa Maria. À noite, ela circula pela cidade, atuando, deixando presentes para as pessoas. No Dia dos Namorados, deixou rosas com recados. Em Santa Maria surgiu também a Santa Ventania, o vento norte que deixa fitas a balançar nas esquinas - conta Camila.
"Sr. Crevier" deixa a sua marca em Caxias do Sul. Foto: Reprodução/Youtube

O passeio é todo registrado em vídeos e fotos que são, depois, incorporados a um mapa virtual sempre disponível no site do projeto. Em Porto Alegre, já não há mais como se inscrever, e o trio de artistas teve de fazer uma triagem entre mais de 50 pretendentes para selecionar 20 participantes, priorizando a heterogeneidade do grupo e a ligação das pessoas com a cultura local.
Mas ainda dá para participar da oficina aberta na próxima sexta-feira, às 18h, no segundo andar da Casa de Cultura Mario Quintana. A escolha dos lugares de encontro - em Santa Maria, a antiga sede do Caixeiros Viajantes (construída em 1926); em Pelotas, um casarão (de 1879) - elege o prédio histórico como "coração da cidade" e primeira chance de deslocar os participantes:
- As pessoas normalmente chegam com ideias próprias, só que a gente desconstrói, para que as propostas surjam em conjunto. Mesmo quando levamos as pessoas para o ambiente urbano, o primeiro movimento é o de criar o personagem e logo deslocar esse personagem - explica Camila.
"Seu Pacheco" pede ajuda para achar o seu pinguim em Pelotas. Foto: Cidade Transmídia/Divulgação

Em vez de chegar com um personagem pronto para o palco, o participante deve levar um objeto com algum valor afetivo. Cada grupo escolhe três objetos, e será a partir deles que o personagem será criado. Também não rola se arrastar por um roteiro óbvio: traçaram uma rota no mapa de Pelotas, e esse mesmo trajeto será encaixado agora na capital gaúcha.
- Assim, tu circulas por lugares onde jamais circularia. A gente busca deslocar um pouco a mente objetiva. Abre-se o espaço para o acaso, fazer com que o personagem vague perdido, com todas as características que ele tem: o que ele vai fazer, no que vai prestar atenção? - questiona Camila, lembrando de Apolonio, personagem da cidade espanhola de Málaga que vivia catando pelo chão e metendo nos bolsos tudo o que cintilava: era um oculista que, nas horas vagas, construía caleidoscópios.