Veja a discussão das Blogueiras Negras:

Elas são mulheres, elas são negras... e, como era de se esperar, elas rejeitam veementemente o estereótipo ficcionalizado de Sexo e as Negas, seriado de Miguel Falabella que estreia nesta terça-feira contando "os amores e a luta" de um grupo de mulheres de uma comunidade carioca.
Bastou que saíssem os primeiros teasers da atração para que uma enxurrada de críticas à tipificação da mulher negra como personagem inferior e hipersexualizada atingisse as redes sociais, chegando rapidamente à alta cúpula da Rede Globo. A Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial, até esta segunda-feira, acumulava 11 denúncias de racismo contra a emissora por conta da série.
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Mas, por quê? A série, que é uma das grandes apostas globais para o segundo semestre, é uma paródia de Sex and the City. Transposta do glamour de Nova York para o subúrbio do Rio (a inspiração de Miguel Falabella foi a Cidade Alta de Cordovil), traz os dramas de quatro amigas negras: uma camareira, uma cozinheira, uma operária e uma costureira.
Toda a polêmica causou um desabafo de Falabella nas redes sociais, divulgado pelo UOL. Depois de explicar que teve a ideia da série em uma feijoada no Cordovil, rechaçou a ideia de preconceito:
"Sexo e as Negas não tem nada de preconceito. Fala da luta de quatro mulheres que sonham, que buscam um amor ideal. Elas podiam ser médicas e morar em Ipanema, mas não é esse meu universo na essência, como autor. Não sou Ipanemense. Sou suburbano, cresci com a malandragem nos ouvidos. Portanto, as minhas personagens são camareiras, cozinheiras, indicadoras de mesas, operárias. E desde quando isso diminui alguém? São negras, são pobres, mas cheias de fantasia e de amor. São lúdicas! E sobrevivem graças ao humor. Seres humanos. Reais. Com direito a uma vida digna e muito... Mas MUITO sexo! Vai dizer agora que eu sou racista? Ah! Nega...Dá um tempo...", escreveu o autor.
Não - a internet, e as ativistas negras, principalmente, fizeram tudo menos dar um tempo ao autor. Foi assim que o coletivo Blogueiras Negras, formado por um grupo de feministas, criou a série As Nêga Real.
Charô Nunes, arquiteta e uma das bloggers do coletivo, apontou a ZH cinco erros na estrutura da série para quem quer entender a polêmica.
- A premissa transforma nossa existência em objeto de estudo e manipulação midiática, constituindo um estupro simbólico. Reduz nosso lugar social, enfatizando que nosso objetivo é apenas encontrar um parceiro sexual. Também tem se mostrado, até o momento, cisheteronormativa além de reforçar o estereótipo de que todas somos trabalhadoras domésticas. E finalmente o título, que tem ligação direta com a expressão racista e machista "não sou tuas nêga", definindo o valor e o tratamento que a mulher negra receberá em relação a uma mulher branca. Desumaniza a negra, e o nome disso é racismo.
Larissa Santiago, publicitária que também escreve para o site, ressalva que a crítica feita não vira as costas aos negros e negros retratados no seriado:
- Ficou claro que nós, mulheres negras, somos também aquelas personagens com suas profissões e seus anseios, mas somos muito mais!
Para as jovens, está na hora de sinalizar também na televisão a mudança pela qual o Brasil passou nos últimos tempos:
- Todas as vezes em que somos representadas nos folhetins, seriados e afins, os estereótipos se repetem: sempre somos as domésticas, as cozinheiras, será que em 350 anos nada mudou? Sim, nós galgamos outros lugares e papéis na sociedade e isso precisa ser mostrado, precisamos de outras referências para as mulheres negras mais jovens e para as crianças. Não estamos a negar que temos empatia por essas atrizes e atores negros, mas queremos enfatizar, principalmente para os que constroem essas histórias, os que tem poder simbólico e institucional para a produção desses conteúdos midiáticos, que nossa sexualidade é de foro íntimo e pessoal e não deve servir de plano de fundo para as dramaturgias e ficções - diz Larissa.