
O título lembra um conto de fadas, mas Era uma Vez em Nova York é o oposto disso. O belo filme de James Gray, quinto longa de um dos melhores cineastas de sua geração (tem 45 anos), narra a via-crúcis de uma imigrante polonesa que chega aos EUA no início dos anos 1920 e, em vez do sonho americano, vivencia um homérico pesadelo antes de encontrar a paz.
Diretor de Caminho sem Volta (2000) e Os Donos da Noite (2007), Gray é craque ao manipular gêneros cinematográficos. Em parceria com o ótimo ator Joaquin Phoenix, costuma abordar a vida de imigrantes russos nos Estados Unidos de hoje. No novo filme, atém-se ao mesmo tema (embora retrocedendo no tempo), incorpora ao time outra intérprete de enorme talento (Marion Cotillard) e trabalha basicamente sobre os códigos do melodrama.
A personagem de Marion chega a Nova York com três problemas: a suspeita de que se prostituiu ou foi abusada no navio durante a viagem "manchou sua honra", a irmã que a acompanhava (Angela Sarafyan) pode estar com tuberculose e os tios que a receberiam não o farão mais - por motivos que se explicarão ali adiante. Não há saída a não ser aguardar pela deportação, algo que, para ela, faria a tragédia ser completa. É quando aparece um sujeito de retórica afiada (papel de Phoenix) a cata de mulheres para um show que apresenta nos vaudevilles dos guetos de bebida e prostituição da época.
Em contraste com a relação explosiva que se estabelece entre os dois, o visual de Era uma Vez em Nova York é sóbrio, com movimentos de câmera seguros e linda fotografia em tons sépia. Essa dualidade escancara o dilema de ambos: ele se apaixona por ela, mas a prostitui, como faz com todas as garotas; ela sabe que está traindo sua fé e seus princípios, mas o sexo pelo dinheiro é a única alternativa se quiser ficar no país e ajudar a irmã doente. Um mágico vivido por Jeremy Renner, primo e rival antigo do cafetão, ainda vai aparecer e travar com ele um duelo enérgico pelo amor da bela e triste polonesa, que na verdade não parece em condições de se envolver emocionalmente com alguém.
Enquanto o trio de atores dá conta da complexidade dessas relações, Gray se encarrega de transpor seus conflitos morais para a forma do filme, particularmente na arrebatadora sequência final, que usa um espelho como símbolo da via de mão dupla pela qual os personagens trafegam. Pena que o realizador que tão bem manipula os códigos dos longas policiais nem sempre segura o tom do melodrama. Fosse mais simbólico e menos literal em outros momentos, teria feito algo tão bom quanto Amantes (2008), até aqui insuperável como o melhor trabalho de sua carreira.
Era uma Vez em Nova York
(The Immigrant)
De James Gray.
Com Marion Cotillard, Joaquin Phoenix e Jeremy Renner.
Drama, EUA, 2013. Duração: 118 minutos. Classificação: 14 anos.
Estreia nesta quinta-feira em Porto Alegre.
Cotação: 3 estrelas (de 5).