Fábio Prikladnicki
Com 41 anos de carreira, a coreógrafa Carlota Albuquerque, 57, confessa que tem medo de "envelhecer artisticamente". Contra o comodismo, tem procurado trabalhar em parceria com uma quantidade diversificada de jovens diretores teatrais.
- Eles me nutrem - diz Carlota, ao final do primeiro dia de uma oficina que ministra na programação paralela do 21º Porto Alegre Em Cena, do qual foi escolhida madrinha, deferência concedida a cada ano a um artista diferente.
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Sua história é o conto de fadas de uma moça que largou a faculdade de Psicologia no último ano porque havia passado em um teste para bailarina. E optou pela dança contemporânea.
Participou, nos anos 1980, do Grupo Terra, de curta duração e longa permanência na memória cultural de Porto Alegre. No final da década, abandonou a vida de bailarina para se tornar coreógrafa. Em 1987, criou a Terpsí Teatro de Dança, desde então uma das principais companhias do Estado. Após o sucesso de Quem É? (1989), que projetou o grupo nacionalmente, Carlota recebeu convites para coreografar espetáculos de fora do Estado e da Argentina. Recusou. Decidiu que é uma "mulher de grupo" e optou por ficar.
- O que une nossos espetáculos é a relação entre corpo e objeto. Em nosso trabalho de investigação, o objeto dá impulso à partitura corporal - explica.
As mudanças profissionais vieram acompanhadas de transformações pessoais.
- Fumava três carteiras por dia até que tive um problema pulmonar. Aí me tiraram o cigarro e comecei a querer comer o mundo. Queria fazer de tudo - recorda. - Sei que meu corpo está envelhecendo. Quero entender que corpo é esse que vai poder criar uma coreografia. Acho que estou me tornando mais diretora de cena do que coreógrafa.
Na condição de madrinha do 21º Em Cena, Carlota deseja uma política pública que promova o intercâmbio dos grupos locais com artistas de outros lugares e estimule a circulação pelo país.
- Os grandes núcleos de pesquisa da Bélgica e da Alemanha estão em cidades com um clima cultural parecido com o nosso. Esse tipo de iniciativa transforma uma cidade.
ESPETÁCULOS ESSENCIAIS
Quem É? (1989)
Trabalho que projetou a Cia. Terpsí no extinto Carlton Dance Festival, de onde retornaram com dois patrocinadores. Inspirada em Esperando Godot, de Beckett, a coreografia tratava do medo frente a ameaças visíveis e invisíveis.
Lautrec... Fin de Siècle (1993)
Na ressaca dos Planos Collor, Carlota e a Terpsí perderam os patrocínios. Questionaram a celebração do fim de século com este trabalho inspirado nos personagens do artista Toulouse-Lautrec. Aqui, a companhia deixou de lado seus "receios estéticos", segundo a coreógrafa.
A Família do Bebê (1999)
Com trilha de Villa-Lobos e música-tema de Gustavo Finkler, o primeiro espetáculo infantil da Terpsí reaproveitou materiais recicláveis. As crianças recebiam uma latinha para batucar junto - e respeitavam o momento de utilizá-la.
O Banho (2001)
No Cais do Porto, a produção tratava do fim dos recursos hídricos e, assim, da morte. O público sentava em cadeiras sobre um chão de sal grosso, o que provocava sede. "Que música você cantaria em seu último banho?", questionava o espetáculo.