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A música é a arte da palavra. Tem o poder de valorizar frases e construções gramaticais, elevando-as a uma posição ainda mais alta do que alcança a própria poesia. Popular Problems é um exemplo disso.
O 13º disco de inéditas do cantor e compositor canadense Leonard Cohen tem lançamento previsto para hoje (ainda em sua versão importada), mas está disponível para audição desde o dia 15 no site www.npr.org, da National Public Radio, o sistema de rádios públicas norte-americanas. Um dos grandes nomes do folk desde a década de 1960 (leia abaixo), Cohen associou o lançamento aos seus 80 anos, completados domingo. Talvez seja o momento mais importante de uma fase surpreendentemente prolífica, que se iniciou após um retiro religioso e um desgastante processo judicial contra a sua ex-empresária, condenada por desvio de dinheiro de suas contas.
Popular Problems fala de amor e ódio, tragédias e desolação, algo a que os fãs estão acostumados, porém, mais do que isso, é um contundente e às vezes bem-humorado ensaio sobre o tempo. O tempo exato que cada palavra precisa para ser compreendida e que Cohen, judeu de nascimento e budista convertido, contempla de um jeito inusual, dada a velocidade da vida neste século 21.
"Estou baixando o tom", ele anuncia, no primeiro verso da primeira canção, apropriadamente intitulada Slow ("devagar"). "Não é porque sou velho/ sempre gostei do ritmo lento", prossegue. "Não vou correr/ Chegarei lá quando tiver de ser." E assim por diante.
Cohen sabe soar engraçado. E irônico, inclusive consigo próprio. Mas é a melancolia que predomina no disco. Almost Like the Blues fala dos horrores do mundo, exaltando o blues como a trilha sonora da vida ordinária - a religião do cantautor. Samson in New Orleans, referenciada especificamente no furacão Katrina, é ainda mais triste, com um violino choroso - embora Popular Problems encontre sustentação, basicamente, em pianos e teclados, aqui e ali acompanhados por bateria e variados instrumentos de corda.
A voz de barítono de Cohen é posta a todo instante em contraste com belos backing vocals femininos. Em Nevermind, a voz secundária recita palavras em árabe enquanto um contrabaixo sincopado dá um caráter pop à melodia - influência, por certo, do produtor Patrick Leonard, coautor de Like a Prayer em parceria com Madonna.
Com levada country, Did I Ever Love You é outra que pega o ouvinte de cara. A Street resume à perfeição a atmosfera soturna do álbum: trata-se de um soul inspirado, para acompanhar estalando os dedos, batendo os pés e curvando-se à genialidade das imagens evocadas na sua letra de desabafo contra a amante que o abandonou. "Você vestiu o uniforme/ para ir à guerra civil/ ficou tão linda/ que não me importei por quem você foi lutar", ele sussurra, para depois avisar que "A festa acabou/ E eu vou ficar nesta esquina/ onde antes havia uma rua".
Leonard Cohen, monstro sagrado da música - e das palavras.
Cohen fundamental:
Suzanne
> Nos anos 1960, estabelecido como escritor no Canadá, Cohen foi para os EUA. Passou a compor e a atuar como cantor folk, alcançando sucesso sobretudo com Suzanne, gravada por Judy Collins, Neil Diamond e Nina Simone, entre outros.
So Long, Marianne
> Foi um dos hits de seu primeiro disco, Songs of Leonard Cohen (1967), junto a Suzanne e Sisters of Mercy. Ganhou múltiplas regravações e até hoje é considerada uma das canções mais populares da década de ouro do blues elétrico (1960).
Hallelujah
> Leonard Cohen atingiu a fase mais popular da carreira já nos anos 1980, com músicas como Dance me to the End of Love e, principalmente, Hallelujah, hino gospel que se tornou uma das canções mais onipresentes da cultura ocidental.