Ao ser convidada para assistir com audiodescrição ao filme A Oeste do Fim do Mundo, fui surpreendida, desafiada e fiquei imensamente feliz. A alegria deu-se porque são poucos os filmes disponíveis com esse recurso, capaz de dar voz ao silêncio que o cego não vê.
Decidi não ler a sinopse nem questionar as pessoas para evitar preconceitos ou expectativas, afinal, ansiava por mais surpresas. E em uma tarde chuvosa, na sala de exibições, vibrei ao perceber a importância do recurso na sessão e como as pessoas, cegas ou não, reagiram a algo que já existe, mas está cada vez mais diferenciado.
Ambientado em um posto de gasolina em uma estrada quase deserta, o drama gira em torno de três personagens: Silas, Leon e Ana. Devido a diálogos rápidos e curtos entre Leon e Silas, ambos personagens introspectivos, a audiodescrição possibilita o reconhecimento de cada um, bem como de seu lugar na história.
A prolongada hospedagem de Ana na casa de Leon revela com diálogos mais densos os motivos que levaram cada qual ao isolamento. Após os desdobramentos do enredo, o filme encerra com a redenção de Leon e Ana, que enfrentam os traumas de suas vivências.
Este foi o segundo filme a que assisti com a presença desse recurso magnífico, mas foi a primeira vez que exigiu um olhar mais apurado para análise. Os sons da natureza são marcantes e fazem supor que são fundamentais para se captar a atmosfera emocional do filme. A audiodescrição, por sua vez, funciona como elo entre a imagem criada pelo cego a partir desses sons e aquela construída após o detalhamento das ações por um audiodescritor.
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A descrição do ambiente, dos personagens e dos fatos tornou A Oeste do Fim do Mundo um atrativo para diferenciadas sensações. Quem não enxergava sentiu-se imerso na história ocorrida na fronteira entre a Argentina e o Chile; quem enxergava se permitiu fechar os olhos para testar sua capacidade perceptiva - por exemplo, o fotógrafo Mauro Vieira, de Zero Hora, percebeu a diferença nas cilindradas das motocicletas consertadas na pequena oficina de Leon.
A audiodescrição trouxe significado a uma obra que, se assistida sem o recurso, perderia o sentido ou se tornaria cansativa. Produções nas quais a fotografia e as ações são tão ou mais importantes que os diálogos tornam-se quase inúteis para os cegos, pois limitam a compreensão. Logo, expandir a audiodescrição no cinema é incluir o deficiente visual em circuitos culturais, incentivando outros setores a adotarem o recurso, que representa a visão do cego.
*Repórter de ZH, Cristiely tem deficiência visual
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