Depois de um concerto sinfônico. Nos ouvidos, os ecos de Villa-Lobos, de Mozart. Acima de tudo, os ecos de meu mestre Armando Albuquerque e sua Suíte Breve tocada, como nem ele nunca ouviu, pela Osesp.
Cá fora, já vêm se filtrando os ecos de um funk ostentação ou mesmo de um samba mais rasgado, clássico à sua maneira. Ecos dos bares ali à volta, contentes pelo início de uma noite de sábado, cheio das expectativas que só cabem mesmo nas noites de sábado. Fila do transporte público para sair dali levando os ecos todos e, por um momento, São Paulo tem ruas do Armando, ruas do Quintana, aquelas que Vitor Ramil cantou em Ramilonga. Na minha frente, ao ar livre e em plena fila, um homem de certa idade, uma mulher mais moça mas se julgando ainda mais, e um garoto em idade de Enem.
Todos como eu, trazendo dentro de si os ecos de Villa-Lobos e etc. "Como é que a orquestra consegue manter o ritmo?" - admiração na voz do garoto - "Como é que consegue ir mais rápido e ir mais lento só na mão do maestro, sem uma bateria lá atrás, sem percussão?".
De repente, a magia da regência se materializou na minha frente, naquela inocência que eu talvez tenha tido um dia mas que, por força de ser músico há décadas, perdi por força do hábito e da profissão. Manter o ritmo na mão do maestro. Essa foi a frase que me perseguirá por um bom tempo. Fazia tempo que não me ocorria olhar a orquestra dessa forma - um grupo grande de músicos que se mantém coeso por mágica de alguém que centraliza gestos e olhares.
Faz bem mais do que garantir o ritmo, é certo, mas para a inocência do garoto da fila de transporte público já bastava isso. Já bastou também para mim, que ouvi sem querer a conversa animada. E mais: lá se foram os três, em conversações de admiração, cogitando se determinado instrumento seria um fagote ou um clarinete ou, mesmo, um saxofone. Resisti a todos os impulsos de interferir na conversa, pois inocência dessas não se interrompe nem se corrompe. Inocência dessas se inveja, por já tê-la perdido há anos.
Leia colunas anteriores de Celso Loureiro Chaves
Coluna
Celso Loureiro Chaves: inocências
O colunista escreve quinzenalmente para o 2º Caderno
GZH faz parte do The Trust Project