Nelson Freire faz 70 anos. O mais célebre e, dentro do seu repertório, o melhor dos pianistas brasileiros (de todos os tempos? difícil dizer, não conhecemos todos...) chega à idade do pijama e das pantufas no ponto máximo da carreira. Reconhecimento da crítica e do público, em igual medida e sem restrições. Prêmios obtidos em todo lugar. Contrato com uma major dos discos clássicos. Lembro de estar no saguão da Gewandhaus de Leipzig, à espera da orquestra, e tropeçar numa vitrine com o prêmio de melhor disco do ano que Freire e o regente Riccardo Chailly ganharam anos atrás com os concertos de Brahms. Ufanismo irresistível, observar aquele disco de ouro celebrando um pianista brasileiro na companhia dos melhores.
Entusiasmo igual ao ver que um dos bons lançamentos dos últimos anos foi Brasileiro, álbum que Freire lançou pela Decca Classics, que tem pouca paciência com a música brasileira. O disco é um orgulho, sem dúvida, embora seja doloroso constatar que, para as gravadoras lá fora, compositor brasileiro bom é compositor morto, pois não há no álbum qualquer aceno ao mundo dos vivos. A depender delas, a música de concerto brasileira ficará petrificada para sempre nos tempos idos das carioquices, vá lá, da década de 1940.
Os 70 anos de Nelson Freire são comemorados em estilo superstar pelas majors. A Decca se ocupa de dois lançamentos, um olhando para o passado, outro mirando o futuro: Radio Days toma de empréstimo o título de um bom filme de Woody Allen para recuperar concertos de Freire com orquestras daqui e dali, mostrando que a grandeza vem de longe; um registro bem recente do Concerto nº 5 de Beethoven traz a esperança de um novo ciclo com Chailly e a Gewandhaus de Leipzig, talvez preparando os prêmios de amanhã. E a Sony, que ultimamente caiu de paixão por caixas de discos, lança logo de uma vez um box com sete álbuns de Nelson Freire, recuperando os anos 1960. Fartura igual nunca houve para algum pianista brasileiro. Não que eu me lembre.
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