Celso Loureiro Chaves: "Ainda se compõe música erudita fora da Academia?"

Um aluno pergunta: ainda se compõe música erudita fora da Academia? Academia: universidades por aí. Música erudita: uma da músicas que não estará no Planeta Atlântida, do outro lado de tantas que estarão.

A pergunta não está fora de propósito: a música erudita se entrincheirou na Academia e parece difícil imaginar que ela possa encontrar um terreno adubado longe dali. Mas é claro que se faz música erudita fora da Academia e bem debaixo do nosso nariz.

Agora mesmo está circulando Súbita Conexão, o DVD de Marcelo Nadruz, compositor daqui que não tem nada a ver com a Academia e que mesmo assim, por isso ou apesar disso, faz música erudita da melhor qualidade.

Para ele, como diz no making of do DVD, é música pós-moderna, com junções de geografias e culturas na pouco mais de meia hora da composição. Conexões súbitas, não há dúvida. Ou, como diz um dos músicos da peça, com aquele sem rodeios dos bons músicos, é "música litúrgica de outro planeta".

O órgão de tubos e as vozes comandam os procedimentos e a partir daí não se consegue tirar da cabeça uma peça do inglês Gavin Bryars, The Black River, com texto de Júlio Verne. Ali também há órgão de tubos e voz e, como Nadruz, Bryars tem feito música fora da Academia, seguindo o instinto e a invenção que, afinal de contas, são a prova dos nove da música.

No Súbita Conexão, vibrafone e marimba se unem ao órgão e às vozes desde o primeiro momento. Mais adiante e a junção fica ainda mais apetitosa - dois alaúdes, um árabe, o outro medieval, e um sitar indiano. Como diriam os sambistas de 1930: está feita a "melódia"! No DVD de Marcelo Nadruz, se pode bem deixar de lado as imagens, desligar o vídeo para ficar só com as evocações (e são muitas...) da música.

Aqueles sons, incansáveis na sua coerência, têm muito mais a dizer à imaginação de quem ouve do que as feições dos músicos no esforço da música. Mérito do compositor, quando a sua composição sobrevive sem apoios, quando estabelece conexões com o que já se ouviu e com o que nunca se imaginou ouvir.

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