
Com a trilogia formada por Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013), o cineasta Richard Linklater conquistou fãs em todo o mundo. Não só isso: fez uma espécie de laboratório para aquele que seria seu projeto mais ambicioso - ou o filme de uma vida, se você preferir: Boyhood. Desde janeiro, quando teve sua première no Sundance Festival, passando por Veneza, onde ganhou o prêmio de melhor direção, o longa tem encantado plateias e colhido elogios como poucos títulos recentes do cinema norte-americano. A estreia em Porto Alegre é nesta quinta-feira.
Não há exageros em se tratando de Boyhood. Nem quanto à duração - as quase três horas de projeção passam voando, apesar (ou em função) do caráter realista do filme. Trata-se de um drama ficcional sobre a vida de Mason, personagem criado especialmente para o ator Ellar Coltrane, que começou a ser rodado há mais de uma década, quando ele tinha cinco anos, e terminou em 2013, após completar 18. Tudo é absolutamente cru: sem qualquer letreiro para identificar a época que cada sequência representa, o espectador acompanha seu crescimento apenas a partir das situações que o garoto vivencia - e das muitas referências à cultura pop, que escancaram o caráter efêmero dos fenômenos cultuados pelos adolescentes.
Começa com Coldplay, White Stripes e sua irmã (interpretada por Lorelei Linklater, filha do diretor) dançando Oops!... I Did It Again, de Britney Spears. Termina com Arcade Fire, passando antes por citações que vão de Crepúsculo a Kurt Vonnegut. A aproximação do registro documental se dá também pela reelaboração constante do roteiro, a tempo de incorporar não só essas referências, mas as experiências de vida da equipe - de Ellar Coltrane, de Linklater e sua filha e de Patricia Arquette e Ethan Hawke, que interpretam os pais de Mason e participaram da construção dos diálogos, a exemplo do que o cineasta fizera, antes, com os atores de sua citada trilogia.
Se cinema é dispositivo, como parte da crítica contemporânea tem dito, referindo-se à metodologia usada pelos cineastas, Boyhood é um dos grandes filmes de seu tempo. Seu impacto tem tudo a ver com a aproximação de Linklater de seu "objeto de estudo", por assim dizer. Há uma combinação rara, talvez única, de naturalidade e complexidade na abordagem das angústias e das descobertas desse período da vida, que faz parecer a própria realidade se descortinando diante dos nossos olhos.
Antes do final de beleza arrebatadora, abundam situações difíceis e algum desconforto para o público, principalmente porque Boyhood debate violência doméstica e imaturidade dos pais, temas caros ao melhor cinema independente americano. Também a disfuncionalidade familiar aparece em profundidade neste que é o mais pungente retrato do amadurecimento produzido nos últimos anos.
Boyhood - Da Infância à Juventude
De Richard Linklater. Com Ellar Coltrane, Ethan Hawke, Patricia Arquette e Lorelei Linklater.
Drama, EUA, 2014. Duração: 165 minutos. Classificação etária: 12 anos.
Estreia nesta quinta-feira em Porto Alegre, em três cinemas da rede GNC (Moinhos, Iguatemi e Praia de Belas) e um Cinemark (Barra Shopping).
Cotação: excelente
Cinco filmes ou séries que registram o crescimento de seus personagens:
1) Up
Aclamada série de documentários da televisão britânica que acompanha a vida de 14 jovens desde 1964 e resultou, até hoje, em um episódio lançado a cada sete anos.
2) As Crianças de Golzow
Outra série documental amplamente reconhecida lá fora, foi produzida entre 1961 e 2007, período em que o diretor Winfried Junge registrou a vida de 18 pessoas nascidas entre 1953 e 1955 na pequena Golzow, extremo leste da Alemanha.
3) Como É Triste Ser Homem
O japonês Yoji Yamada fez 48 longas sobre o personagem Torajiro Kuruma desde 1969. Só parou em 1995, ano da morte do ator principal, Kiyoshi Atsumi.
4) Anna dos 6 aos 18
O cineasta russo Nikita Mikhalkov fez entrevistas com a filha, de 1979, quando ela tinha seis anos, até 1991. Reuniu-as num filme sobre o crescimento dos jovens em meio à derrocada da União Soviética.
5) Todos os Dias
Exibido neste ano nos cinemas, este drama do cineasta inglês Michael Winterbottom foi rodado durante cinco anos, nos quais quatro crianças esperam pelo seu pai, que está preso.