
O diretor francês Eric Lartigau arriscou-se com A Família Bélier (2014): sua comédia dramática sobre um clã de surdos poderia ser apenas mais um melodrama lacrimoso ou outra corriqueira história de superação. O perigo do equívoco era ainda maior, já que os personagens são vividos por atores que não têm deficiência: a francesa Karin Viard e o belga François Damiens encarnam os pais, e o jovem Luca Gelberg interpreta o caçula. O longa em cartaz na Capital, porém, evita com graça essas armadilhas, equilibrando risos e lágrimas e surpreendendo com uma densidade dramática insuspeitada levando em conta a premissa despretensiosa.
Entre os Bélier, apenas a adolescente Paula (Louane Emera, finalista do The Voice francês de 2012) escuta e fala perfeitamente. Comunicando-se em linguagem dos sinais, a garota serve de intérprete para o pai e a mãe nos afazeres cotidianos e no funcionamento da fazenda familiar. Apaixonada por um novo colega que canta (Ilian Bergala), Paula decide participar do coral da escola para se aproximar do rapaz. Nas aulas de canto, seu talento é descoberto pelo professor (Eric Elmosnino, protagonista de Gainsbourg - O Homem que Amava as Mulheres), que a incentiva a se preparar para o concurso da Radio France. Se for aceita, Paula terá que se mudar para Paris - o que coloca a menina de 16 anos diante de um dilema: seguir sua vocação e partir para a capital ou ficar ao lado dos pais e permanecer no campo?
Um dos destaques de A Família Bélier é a atuação vigorosa do núcleo central, especialmente do casal formado por Karin e Damiens, em diálogos silenciosos cuja eloquência vem de gestos e expressões faciais - embora vários representantes da comunidade de surdos na França tenham se manifestado contra a escolha de artistas não deficientes e suas performances, consideradas estereotipadas por eles. Polêmicas à parte, não há coração empedernido que resista à encantadora Paula interpretando com sua bela voz temas como Je Vais tAimer e, principalmente, a comovente Je Vole ("Eu Voo"), na qual um jovem anuncia aos pais que está saindo de casa - ambas composições de Michel Sardou, ícone da canção francesa por quem o professor da protagonista é obcecado.