Sentado em uma das cadeiras estofadas do Teatro Elis Regina, na Usina do Gasômetro, os pés de Isaac mal encostam ao chão. Durante as duas horas que fica ali, balança-os em movimentos constantes. É a única parte do corpo que dança, pois todo o resto está concentrado em acertar as notas que saem de seu clarinete. A estatura de Isaac é pequena, mas o sonho é grande. O menino quer fazer faculdade, mestrado e doutorado na área de música. Também se imagina tocando na Orquestra Sinfônica de Nova York. Por isso, até cogita inverter os sobrenomes para que soe melhor: Isaac Lopes Kroeff.
Apesar do sonho do menino de 11 anos parecer muito distante de se concretizar, ele já esboça os primeiros traços para transformá-lo em realidade. Em casa, tem um quarto exclusivo para o estudo e prática do instrumento. Também há quase dois anos é aluno do Conservatório Pablo Comlós, escola de música da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), e integra a Ospa Jovem e a OSEO.
Na noite desta quarta-feira, Isaac irá tocar pela primeira vez em um concerto, na igreja São Pedro, ao lado de outras 120 crianças e jovens que compartilham a vontade de fazer música. Uns são mais experientes, como Isaac, porque tocam desde pequenos, por incentivo dos pais. Outros alunos, como Weslei Félix Ajarda, tiveram o primeiro contato com o instrumento clássico no ano passado, quando entraram na turma dos estudantes que são de baixa renda e tinham pouco conhecimento musical.
Isaac tem uma sala para estudos em casa, onde ensaia frequentemente
Foto: BRUNO ALENCASTRO/AGÊNCIARBS
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Entretanto, a diferença de idade ou de classe social se perde com a força da música. Nas quintas, sextas e sábados, o silêncio da Usina do Gasômetro é rompido por cordas e metais, som conduzido pelo violinista primeiro, regente e compositor Arthur Barbosa. As expressões faciais são tão sérias que os ensaios parecem concertos, com exceção da roupa social e da plateia.
- Eles vêm aqui para aprender. E eles estão ávidos. Aqui, por exemplo, tem gente que nunca tocou em uma orquestra - explica o maestro Barbosa.
A retomada da orquestra e de sonhos
O professor e condutor destes 120 alunos foi quem instigou o retorno do grupo. Quando o conservatório foi desativado, em 2004, extinguiu-se também a Ospinha, nome dado à orquestra jovem da época. Há quase dois anos, quando a escola foi reestruturada, Barbosa comentou a importância de juntar forças e recuperar o grupo. Por ter iniciado a carreira em uma orquestra infanto-juvenil e por desenvolver um trabalho paralelo com orquestras pelo Ministério da Cultura, o músico abraçou o projeto voluntariamente.
- Foi amor à primeira vista. Uma escola de música sem uma orquestra está incompleta - argumenta o regente.
Três vezes por semana os alunos ensaiam no Teatro Elis Regina
Foto: BRUNO ALENCASTRO/AGÊNCIARBS
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Os ensaios começaram em abril deste ano e reuniram a maior parte dos 180 alunos, entre oito e 27 anos, do Pablo Komlós. Aos poucos, as crianças e jovens foram adquirindo seus próprios instrumentos. A vontade de conhecer e de fazer música intensificou tanto os encontros que em menos de dois meses a direção da escola já estava planejando a primeira apresentação. Com o desenvolvimento dos alunos, optou-se por desmembrar a orquestra em quatro. O maestro Barbosa rege a Ospa Jovem, com os 56 integrantes mais adiantados instrumentalmente, e a Orquestra Sinfônica da Escola da Ospa (OSEO), o grupo que constitui todos os alunos que iniciaram na orquestra. O Coro é conduzido por Cosmas Grieneisen e a Orquestra Preparatória de Cordas, com 25 alunos entre 8 e 9 anos, por Gean Veiga.
- Quando a gente fala em orquestra de estudantes, a nossa tem um diferencial da grande maioria: ela é uma orquestra que faz parte de um currículo de formação dentro da escola. Mais do que um momento de performance, ela é um momento de aprendizagem. É uma aula de orquestra - explica Nisiane Franklin, diretora do Conservatório Pablo Komlós.
Ao mesmo tempo em que a preparação é musical, o maestro Barbosa defende a formação de cidadãos. Para ele, a música é um agente transformador da sociedade, e a possibilidade de tocar em uma orquestra mostra a importância do trabalho em grupo. Todos desempenham papéis individuais, mas é um conjunto, o que faz com que os alunos precisem se ajustar.
A expectativa do primeiro concerto
O professor percebeu que os alunos se ajustaram rapidamente, o que o instigou a marcar a primeira apresentação. No final de junho, as 120 crianças e jovens se posicionaram na sala de ensaio, a mesma expressão séria no rosto, mas com mais responsabilidade: fariam o primeiro concerto. Apesar de ser fechado para familiares, eles puderam experimentar o mesmo nervosismo de uma apresentação aberta ao público externo, mesmo que muitos não demonstrassem. Em vez dos típicos ternos pretos e vestidos de concerto, eles vestiram camisetas pretas, mas foram aplaudidos com a mesma força que a orquestra da Ospa é aplaudida no Theatro São Pedro.
GALERIA: veja como foi o concerto no Teatro Elis Regina
Seis meses após a primeira apresentação, os alunos irão vivenciar o contato com uma plateia desconhecida. A partir das 19h desta quarta-feira, na igreja São Pedro (Av. Cristóvão Colombo, 1629), o silêncio do local será rompido pelas três orquestras da escola da Ospa e pelo Coro. Além do programa que inclui obras como Georges Bizet, Johann Strauss I e Pyotr Tchaikovsky, os grupos sinfônicos também devem tocar músicas natalinas.
- A emoção é muito grande porque você vê que é possível - define Nisiane.
PROGRAME-SE
Concertos das orquestras jovens da Ospa
> Quarta (17/12), às 19h, na Igreja São Pedro (Av. Cristóvão Colombo, 1629). Entrada Franca.