Segunda-feira passada, na cerimônia de entrega do Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio, o presidente da entidade, Renato Lessa, disse que o fato de a comenda ser entregue numa biblioteca tinha sentido especial:
"Essa é uma casa de resistência no sentido de fazer com que o livro ocupe o lugar central na nossa experiência cultural, como indução ao pensamento, à reflexão, à conversa em contraponto a uma cultura de aceleração, de hiperconectividade e de imediaticidade". Achei as palavras bonitas. Saí feliz da vida com meu premiozito debaixo do braço.
De volta a Porto Alegre, ao visitar o site de uma livraria especializada em literatura infantil, me apavorei: todos os textos que avisavam de atividades na tal livraria tinham erros (graves) de pontuação, regência verbal e ortografia. Um escândalo.
O choque das duas coisas, o discurso do presidente da Biblioteca Nacional louvando o livro e os anúncios dos eventos da livraria feitos por um semianalfabeto, me causou uma desesperança das grandes.
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Existe um esforço enorme no sentido de fazer com que as pessoas leiam. No entanto, a leviandade toma conta e algum comerciante sofrivelmente alfabetizado aproveita o nicho e coloca um par de livrinhos à venda. As pessoas, desavisadas, compram os dois livrinhos.
E compram outros livros adultos, porque um dia, quem sabe, vão ler. Mas não leem nunca - às vezes, nem para os filhos. Isso é um empurrão para o abismo, o deslocamento do livro como objeto ideal para a aquisição de conhecimento.
A ideia de que uma pessoa seja induzida à reflexão através da leitura cai por terra. Num mundo acelerado, a reflexão se tornou um exercício desnecessário e arcaico. A leitura, então, se transformou num castigo de chatice infinita.
Como esta é a época das grandes mudanças e das melhores intenções, desejo a todos um novo ano pleno de leituras. Muito silêncio, muitas pausas reflexivas e muitas ponderações existenciais. Não existe melhor caminho para escapar da estupidez.
Feliz Natal e feliz 2015. Do fundo do coração.
Opinião
Cíntia Moscovich: esses analfabetos
A colunista escreve semanalmente no 2º Caderno
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