
Mommy estreou discretamente em Porto Alegre: no fim de semana que antecede o Natal, em apenas três sessões no Espaço Itaú 8. Mas é daqueles filmes que merecem atenção especial. Dividiu o grande prêmio do júri no último Festival de Cannes com Adeus à Linguagem, de Jean-Luc Godard, numa escolha simbólica dos jurados - ao mesmo tempo em que exaltaram o mestre veterano, deram ao enfant terrible canadense Xavier Dolan a aprovação que ainda lhe falta por parte da crítica.
Mommy é o quinto longa do diretor de 25 anos, o mais precoce dos vários talentos que despontaram em Québec neste século 21. Quinto e o melhor desde a estreia, aos 19, com Eu Matei Minha Mãe (2009). Nesse meio-tempo, ele se perdeu com o segundo longa, o afetado Amores Imaginários (2010), recuperou-se ao voltar a falar das relações entre mães e filhos no quarto filme, Tom na Fazenda (2013), e reencontrou a melhor forma com esta história sobre um adolescente problemático (Antoine-Olivier Pilon) e sua mãe desequilibrada (Anne Dorval) - perfis, não por coincidência, semelhantes àqueles vistos em sua estreia.
Não parece haver caminho para Dolan que não seja o de um cinema pessoal - e passional. Mommy tem uma fotografia repleta de filtros, às vezes exagerados, porém em sintonia com a energia que os personagens descarregam a cada sequência. A chamada janela de projeção, quadrada, apertada, à semelhança de Fausto (2011) e O Homem das Multidões (2013), dá conta da opressão em que o garoto vive. Quando ele encontra a felicidade usualmente distante e a tela se abre, num magnífico cinemascope, a ideia de libertação se expande, fazendo-se sentir na plateia, em uma epifania digna da grande arte.
Diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o protagonista perdeu o pai, foi internado à força e voltou a viver com a mãe após pôr fogo em uma cafeteria. Tem explosões de fúria que só são controladas com a presença de uma vizinha igualmente perturbada em consequência de problemas familiares (Suzanne Clément). Mas o descontrole da mãe é a sua sentença definitiva.
Sob certo aspecto, Mommy é um filme sobre o desamparo. Sobre a imaturidade dos jovens como consequência da imaturidade dos pais. Um "Eu Matei Meu Filho", em analogia com o longa mais famoso de Dolan. Não só isso, contudo: sem camuflar o pessimismo quanto ao futuro do guri, o final aberto (após a linda sequência do sonho) afirma a complexidade da situação e a dificuldade de se encontrar uma saída - independentemente de quem carregue a culpa.
MOMMY
De Xavier Dolan. Com Antoine-Olivier Pilon, Anne Dorval e Suzanne Clément.
Drama, Canadá, 2014, 139 minutos, 16 anos.
Em cartaz, em Porto Alegre, no Espaço Itaú 8 (às 14h30min, 19h e 21h30min).
Cotação: ótimo.