
O Concerto para Piano nº 2 de Chopin foi o escolhido por Nelson Freire para seu reencontro com a Ospa, terça-feira (16) passada. Quando o estreou, em 1830, o compositor polonês tinha 20 anos e ainda não havia concluído sua educação formal. É um dos concertos prediletos de Freire, que recentemente o gravou com a Gürzenich Orchestra de Colônia para a Deutsche Grammophon, gravadora mais antiga do mundo (criada em 1898), dona do maior catálogo internacional de música erudita. Já Nelson Freire tinha cinco anos quando fez seu primeiro recital de piano, em 1949, tocando Mozart. Por que anoto essas coisas? Porque quando se fala em música erudita se fala em tempo. E ainda há pessoas temerosas de que os "novos tempos" possam acabar com ela.
Dias atrás, Aury Hilário, médico e conhecido apreciador de música erudita, que edita o blog e informativo semanal Agenda Lírica de Porto Alegre (já são mais de 500 edições), se manifestou contra a frequência dos espetáculos de orquestras tocando música popular com ambientação sinfônica e o pouco espaço que a mídia, "inclusive a FM Cultura", dedica ao erudito. "Somos apenas 6% da população e temos a obrigação de lutar pelo que nos resta", escreveu. "Temos que reclamar quando assistimos à atual aproximação de nossas orquestras aos mais diversos gêneros da música popular. A razão apresentada é a tentativa de captar novos públicos. Mas temos todo o direito de duvidar da eficácia dessa estratégia".
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O manifesto de Aury recebeu muitas adesões. Ele não citou nomes, mas acho que se referia, principalmente, aos já tradicionais projetos com música popular da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro e, em especial, da Orquestra de Câmara da Ulbra, que tem seus maiores públicos nos Concertos Dana, dedicados à MPB, à música regionalista gaúcha e ao... rock - no que reside, me parece, o maior "desgosto". Na verdade, esses espetáculos são episódicos, em média menos de uma vez por mês, quando regularmente as duas orquestras se apresentam com repertório e solistas eruditos. Que eu lembre, a Ospa e a Orquestra Unisinos Anchieta há muito não têm realizado apresentações com artistas populares.
Menciono apenas essas quatro orquestras de atividade regularíssima em Porto Alegre. Junto a elas, tenho que a cidade vive um momento de singular movimentação no que o compositor Armando Albuquerque, evitando rótulos, preferia chamar de "a música aquela". Há projetos e espaços novos como a Casa da Música, o Instituto Ling, a Pinacoteca Rubem Berta, a Sala Gerdau no Multipalco do TSP etc. O Auditorium Tasso Corrêa, do Instituto de Artes da UFRGS, está sempre em atividade - ainda mais nesta época, com apresentações quase diárias de final de curso revelando gente nova. Também o StudioClio é porto seguro para a música de concerto.
Dito isso, respeito mas não entendo a preocupação de Aury e de parte da "comunidade erudita" da Capital. Acho que poderiam ser menos corporativistas - em alguns casos até preconceituosos - e deixarem os maestros Antônio Borges-Cunha e Tiago Flores trabalharem em paz. Quanto à preocupação com a "perda de espaço", posso lembrar, por exemplo, que Vivaldi vem sendo tocado há mais de 300 anos. Bach, quase o mesmo. Mozart e Beethoven, ali perto. E o Chopin de Nelson Freire, desde 1830. Todos (e centenas de outros) gravados sem parar pela Deutsche Grammophon. A chance de a música erudita perder espaço para o rock, em Porto Alegre, é praticamente zero. Então, keep calm...
ANTENA
Ernesto Nazareth Ouro Sobre Azul
André Mehmari
Impressiona a produtividade de André Mehmari, lançando de dois a três álbuns por ano. E sempre trabalhos de alta qualidade, como este, criado em 2013 para homenagear os 150 anos de nascimento do genial "pianeiro", mas só agora saindo em disco. Ele diz que desde o útero ouvia sua mãe tocando Nazareth no piano de casa e que a importância do compositor carioca para a música brasileira equivale à de Villa-Lobos. Eu arrisco dizer que aqui está um Nazareth como nunca foi ouvido até hoje - em citações surpreendentes, Mehmari amplia seus horizontes, levando-o a passear com Stravinsky, Chopin, Luiz Gonzaga, Guinga... É um músico arrebatador. O repertório alinha valsas e tangos brasileiros como Famoso, Turbilhão de Beijos, Reboliço, Furinga, Pássaros em Festa, Odeon, todas em piano solo. Em outras três, tem a companhia de Neymar Dias no contrabaixo e Sérgio Reze na bateria. Estúdio Monteverdi/Tratore, R$ 25
Miniaturas Brasileiras
Raïff Dantas Barreto
É de Mehmari o empolgado texto que apresenta o novo disco do violoncelista paraibano radicado em São Paulo e tido como um dos principais nomes de seu instrumento na música erudita brasileira - entre outras atividades, Raïff é o primeiro violoncelo da Sinfônica Municipal de São Paulo. Ele selecionou peças de autores vivos e foi para o estúdio apenas com seus dois instrumentos, interpretando arranjos para violoncelo solo e para ensembles de violoncelo, ou seja: fez tudo sozinho. O resultado justifica a vibração de Mehmari. Os compositores são Edmundo Villani-Côrtes, Gustavo Tavares, Leandro Braga, Djalma Marques e o espanhol Gabriel Fiol. Duas faixas têm outros instrumentos: a suíte Na Sombra da Asa Branca, de Toninho Ferragutti, com seu acordeão, e o Prelúdio n° 3, de Villa-Lobos (único não contemporâneo), com Diogo Carvalho no violão e Luiz Guello na percussão. Aureus Records, R$ 25
16 Valsas para Fagote Solo
Fábio Cury
Reconhecido internacionalmente, o fagotista Fábio Cury atinge um dos pontos mais altos de sua carreira com esta gravação das valsas para fagote solo escritas em 1979 por Francisco Mignone (1897 - 1986). Tradicionalmente um instrumento de orquestra, é incomum ouvir-se o fagote atuando como solista, e Cury tem trabalhado cada vez mais nessa direção. Mesmo considerando a beleza das composições, o disco causa um estranhamento que só se dissipa após algumas audições, traduzindo a felicidade de Mignone em criá-las e o acerto de Cury em traduzi-las. Os títulos falam por si. Dois deles: Apanhei-te meu Fagotinho e Aquela Modinha que o Villa Não Escreveu. O encarte do CD tem textos sobre Mignone e comentários de todas as valsas, assim como sobre Cury, multifacetado músico paulista que estuda seu instrumento desde os 11 anos, se formou na Alemanha e é professor na USP. Selo Sesc SP, R$ 20