
Alguns dos poucos críticos que conseguiram ver A Entrevista garantem ser uma bomba - de tão ruim - a comédia americana que tanto alvoroço tem provocado nos últimos dias. Os efeitos desta explosão simbólica estão sendo devastadores para a Sony, responsável pela produção do filme dirigido por Evan Goldberg e Seth Rogen.
Ao abortar o lançamento de A Entrevista nos cinemas, previsto para 25 de dezembro nos Estados Unidos (e 29 de janeiro no Brasil), o estúdio capitulou diante do grupo de hackers que, após divulgar e-mails de executivos e documentos confidenciais da Sony, ameaçava com atentados as salas que exibissem o longa-metragem, decisão sem precedentes em Hollywood e ruidosamente condenada por artistas e políticos de diferentes matizes ideológicos.
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- A Sony cometeu um erro - disse nesta sexta-feira o presidente Barack Obama, em pronunciamento na Casa Branca, no qual afirmou que os EUA responderão à Coreia do Norte pelo ciberataque sofrido pelo estúdio.
Em sua fala, Obama disse ainda que "um ditador não pode impor censura nos EUA", referindo-se ao líder norte-coreano Kim Jong-Un. A fala de Obama foi avalizada por um relatório do FBI (a polícia federal americana), que disse ter provas para concluir que a Coreia do Norte está por trás das invasões virtuais que tiveram início no final de novembro.
A Entrevista faz graça com uma conspiração da CIA para assassinar Kim Jong-Un, por meio de dois jornalistas (vivido por Rogen e James Franco) autorizados a ingressar no país para entrevistar o ditador. Os ataques dos hackers revelaram correspondências privadas entre executivos da Sony queixando-se da ganância e da vaidade de nomes como Leonardo DiCaprio e Angelina Jolie e cachês de astros famosos. O embaraço que fez a festa das revistas e site de fofocas envolveu ainda informações sobre filmes em produção que podem comprometer orçamentos milionários.
Os efeitos do chamado SonyLeaks mostram-se a extensos e complexos. O engajado astro George Clooney chamou, na quinta feira, em entrevista ao site Deadline, de "covardes" os chefes de demais estúdios de Hollywood que não se manifestaram em defesa da Sony. Clooney criticou as redes de cinemas que se recusaram a exibir A Entrevista (ação que determinou o cancelamento pela Sony) e também os colegas que se recusaram a assinar uma petição de apoio ao estúdio. Nas entrelinhas, Clooney destacou que, em um lugar onde muita gente tem gente tem o rabo preso e segredos que julgam bem guardados, ninguém quer correr o risco de ter a vida bisbilhotada.
Em uma outra ponta do imbróglio, tem quem veja o episódio da Coreia do Norte como catalizador de uma guerra que os hackers travam há anos como a Sony, corporação que ocupa a linha de frente no combate a pirataria de filmes e games. Até o Google entrou na ciranda, pois documentos vazados retomam a discussão da Sony e outros grandes estúdios sobre um maior controle sobre os sites de buscas, para evitar que levem a endereços que contenham conteúdo ilegal. Para Kent Walker, vice-presidente do Google, isso caracterizaria censura na internet.
Curiosamente, o pai de Kim Jong-Un e seu antecessor no cargo, Kink Jon-il (1941-2011), foi ridicularizado na animação Team America: Detonando o Mundo (2004), sem que isso tenha provocado um incidente diplomático ou ameaça de retaliação.
Alguns outros filmes já provocaram desconforto entre os EUA e países retratados. Mas ficou tudo por isso mesmo. O caso mais recente foi o do ganhador do Oscar Argo (2012), que trata de uma operação de resgate de reféns no Irã. O governo iraniano reclamou, assim como os chineses em 1997, quando o longa Justiça Vermelha mostrou a prisão arbitrária de um cidadão americano no país comunista.