
Já era hora de Tim Burton tentar algo novo em sua carreira. Conhecido por filmes em que utiliza o sombrio, o bizarro e o grotesco para revelar a humanidade por trás de protagonistas fora da norma social, o cineasta parecia refém do próprio estilo - domesticando sua visão transgressora ao sujeitá-la ao maneirismo estético em títulos como Alice no País das Maravilhas (2010) e Sombras da Noite (2012). Com Grandes Olhos, Burton reinventa-se ao mudar o ponto de observação: em seu novo trabalho, o esquisito surge bem no seio do senso comum e do convencional da vida americana, não mais nas margens.
Baseado em uma história verídica, Grandes Olhos mostra o surgimento e o desenlace de uma das maiores fraudes do mundo da arte. No final dos anos 1950 e início dos 1960, Walter Keane (Christoph Waltz) sacudiu o mercado artístico nos Estados Unidos comercializando com estrondoso sucesso pinturas de crianças com ar de abandono e olhos enormes. A despeito do gosto duvidoso das imagens, os quadros de Keane tornaram-se um êxito popular graças à vendagem massiva de reproduções - um procedimento pioneiro, que chamou a atenção de artistas pop como Andy Warhol. O que ninguém sabia é que os trabalhos de Keane na verdade eram pintados por sua mulher, Margaret Keane - papel que rendeu a Amy Adams o Globo de Ouro de melhor atriz de comédia ou musical.
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Para o espectador, a impostura é revelada desde o começo - a história de Grandes Olhos é vista pelos olhos da própria Margaret, que faz uma pequena aparição e deu aval para a produção quando soube que seria dirigida por Burton. O longa acompanha a personagem que, corajosamente, abandona o lar em um tempo no qual mulheres separadas eram malvistas, tentando recomeçar a vida em San Francisco como pintora, ao lado da filha pequena. Em uma feira de artes, ela conhece Walter, apaixona-se pelo suposto pintor e casa-se com ele - que passa a assumir a autoria das telas da ingênua mulher.
O notável em Grandes Olhos é a inteligência como a direção e o roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski - dupla que trabalhou com o realizador no excelente Ed Wood (1994) - manejam as ambivalências do enredo: o mundo technicolor dos bairros de subúrbio da América pós-II Guerra que esconde um cinzento mal-estar existencial; o conforto econômico da classe média contrastando com a sujeição da mulher ao homem; a arte kitsch que almeja o reconhecimento da crítica; o drama alternando-se com a ironia. Como sempre em Tim Burton, a qualidade técnica é um trunfo em Grandes Olhos: a direção de fotografia, a produção de arte e o figurino realçam as ambiguidades da trama e evocam o clima de época. Os destaques, porém, ficam com as inspiradas interpretações de Christoph Waltz - Oscar por Bastardos Inglórios (2009) e Django Livre (2012) - e, especialmente, de Amy Adams.
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