"Monitor-Crayon": 86 mil lápis de giz de cera (Ricardo Duarte / Agência RBS) "Observation Plan": 30 mil lápis encravados na parede (Ricardo Duarte / Agência RBS) Damasceno e a obra "Parábola": 3750 tijolinhos de mármore (Ricardo Duarte / Agência RBS) Visão da exposição "Plano de Observação", no térreo do Santander Cultural (Ricardo Duarte / Agência RBS)

Ao fundo do amplo salão do térreo do Santander Cultural, o olhar é desconcertado por uma arquitetura impossível, surreal até. Uma porta entreaberta repousa sobre um amontoado de quatro toneladas de estopa com fios coloridos. De longe, pode parecer uma pintura abstrata que se derreteu e acumulou ao chão. De perto, uma espécie de encenação dramática sobre o caos.
Um dos artistas brasileiros mais requisitados no circuito internacional, o carioca José Damasceno tem se destacado desde os anos 1990 por uma produção de impacto visual, criando objetos intrigantes e situações que geram perplexidade ao observador.
> Leia mais sobre artes visuais
> Exposição "Future Perfect" apresenta no Memorial do RS artistas internacionais atuantes na Alemanha
Engenhosos e estruturados, seus trabalhos chamam atenção pela monumentalidade. Além das toneladas de estopa que compõem a obra "Cinemagma", há outros superlativos em "Plano de Observação", mostra que tem inauguração nesta terça-feira (19/5), para convidados, e abertura ao público na quarta-feira (20/5): 30 mil lápis (em "Observation Plan"), uma tonelada de massa de modelar (em "Mass Media para Modelar"), 86 mil lápis de giz de cera (em "Monitor-Crayon") e 3750 tijolinhos de mármore ("Parábola").
- Tem tudo isso, sim, mas não é isso o que me move - diz o artista, durante a montagem da exposição.

De fato, seria redutor tomar a escala dos materiais como ponto central de sua produção. Nos trabalhos de Damasceno, nada é o que parece à primeira vista. Suas obras são desvendadas em camadas, sendo a primeira sempre uma visualidade desconcertante que disfarça e até silencia sua grandiosidade. É somente em um segundo momento que os materiais se tornam surpreendentes, seja pela origem cotidiana, pela quantidade ou pela subversão de sua finalidade habitual.
Nesse sentido, Damasceno dialoga com alguns trabalhos de Vik Muniz, outro dos nomes da arte contemporânea brasileira que ganharam maior destaque nacional nos anos 1990 e projeção internacional na década seguinte, a exemplo de Beatriz Milhazes.
A forma como Damasceno trabalha faz dele um construtor de objetos. Daí a curadora Ligia Canongia afirmar que o artista "é um escultor por excelência". Um escultor, contudo, interessado não só no objeto, mas no espaço arquitetônico, especialmente em interferir nas relações entre o lugar onde as obras são apresentadas e o olhar de quem adentra esses ambientes. Sua arte é contemporânea porque leva o pensamento visual ao plano da linguagem, fazendo com que imagens e objetos gerem significados pelos jogos de percepção de quem se vê diante das cenas de "movimento paralisado" oferecidas por suas instalações e intervenções.

Por isso, ainda que seja uma reunião de trabalhos apresentados nos últimos 15 anos em diferentes lugares do mundo, a exposição intriga o olhar do próprio Damasceno. A obra "Observation Plan", por exemplo, foi apresentada uma única vez em 2004, no Museum of Contemporary Art de Chicago, e ganhou nova versão no Santander. Com seus 30 mil lápis encravados em uma extensa parede, é outro trabalho a inquietar a visão conforme o observador se aproxima.
- Essas obras nunca tinham sido reunidas. Ao serem remontadas, se tornam particulares, pois ganham outras características e geram novas situações - diz Damasceno.

É sua primeira mostra individual em Porto Alegre. Antes, já havia participado da 1ª e da 4ª edições da Bienal do Mercosul (em 1997 e 2003). Além de ter obras nos acervos do MoMA de Nova York e da Cisneros Fontanals Art Foundation (EUA); da Fundación ARCO e do Museu d'Art Contemporani de Barcelona - MACBA (Espanha) e da Daros-Latinamerica (Suíça), entre outras, Damasceno também integra coleções brasileiras como a do Instituto Inhotim, de onde vem a escultura em mármore "Parábola" incluída na mostra.
Trata-se de uma espécie de maquete de uma aldeia cercada por muros labirínticos, que não levam a lugar algum. Apresentada na entrada da exposição do Santander junto ao chão, a obra sutil oferece um contraponto à monumentalidade do espaço expositivo do Santander e dos próprios trabalhos de Damasceno.
- Mesmo seguindo regras ou princípios, (a remontagem) traz circunstâncias novas e especiais. A reunião desses trabalhos distintos está me oferecendo uma forma nova de poder percebê-los e pensá-los em suas possíveis correspondências - diz Damasceno.
José Damasceno - Plano de Observação
> Abertura nesta terça-feira (19/5), às 19h, para convidados. Visitação a partir de quarta-feira (20/5), de terça a sábado, das 10h às 19h, domingo e feriado, das 13h às 19h. Até 26 de julho. Gratuito.
> Santander Cultural (Praça da Alfândega, s/nº), em Porto Alegre, fone (51) 3287-5500.
> A exposição: o artista carioca José Damasceno reúne pela primeira vez trabalhos apresentados nos últimos 15 anos em diferentes lugares do mundo. Curadoria de Ligia Canongia.
> Preste atenção: na visualidade vibrante e intrigante que o artista cria com objetos e ambientes usando materiais cotidianos e industriais, que só são percebidos quando o observador se aproxima dos trabalhos.
