
A histórica noite em que Caetano Veloso e Gilberto Gil trouxeram a Porto Alegre a comemoração de 50 anos de amizade e parceria começou atrasada em meia hora: problemas na liberação de quem havia comprado ingressos de meia-entrada causaram longas filas na sexta-feira, em frente ao Auditório Araújo Vianna - que lotaria em seguida. Finalmente, às 21h30min, os veneráveis baianos surgiram em cena - Caetano vestindo preto, Gil todo de branco. O cenário, assinado por Hélio Eichbauer, era simples como o formato do show apenas de vozes e violões: um pano às costas dos músicos com formas geométricas coloridas, que lembrava tanto os trabalhos do artista brasileiro Hélio Oiticica quanto as pinturas do holandês Piet Mondrian.
Como foi o show de Caetano e Gil em Tel-Aviv
Saudada com entusiasmo pela plateia ansiosa, a dupla anfitriã começou o concerto Dois Amigos, um Século de Música em clima cosmopolita com Back in Bahia, canção de Gil que lembra o exílio de ambos em Londres. Na sequência, Caetano emendou duas de suas mais pungentes composições: a melancólica "Coração Vagabundo" e a seminal Tropicália. Foi a vez então de Gil meter sua colher no tropicalismo com Marginália II, parceria com Torquato Neto. Depois do samba É Luxo Só - em que a iluminação revelou imagens de bandeiras estilizadas entre os retângulos da cortina ao fundo -, veio um par de temas que cobriu o arco de tempo dessas trajetórias de mais de cinco décadas: É de Manhã, música mais antiga de Caetano no show, escrita entre 1963 e 1964, e As Camélias do Quilombo do Leblon, composto pelo dueto pouco antes de começar a atual turnê.
Fãs consideram elevados os valores da apresentação em Porto Alegre
O clima emotivo tomou conta com outro par de pérolas de Caetano: Sampa e, especialmente, Terra, com Gil costurando belos acordes ao violão e o público cantando enlevado o refrão. A parte roqueira do espetáculo ficou com a dobradinha Nine Out of Ten e Odeio. Depois da seresta em espanhol Tonada de Luna Llena, foi a vez de Eu Vim da Bahia e Super-Homem - A Canção, cuja letra Gil esqueceu no começo de sua parte.
- Me distraí tocando violão - desculpou-se o mestre.
O cancioneiro de Gil rendeu os momentos mais marcantes da noitada, empolgando os fãs com os clássicos Esotérico e Drão e surpreendendo com uma versão de Não Tenho Medo da Morte em que se acompanhou batucando no violão como um coração sincopado. A parte final da apresentação foi em tom de festa, com as sacolejantes Expresso 2222, Toda Menina Baiana, São João, Xangô Menino, Nossa Gente (Avisa Lá), Andar com Fé - com Caetano puxando as palmas e dançando passinhos de samba de roda - e Filhos de Gandhi. Os artistas tiveram que voltar duas vezes ao palco, interpretando sucessos como Desde que o Samba É Samba, Domingo no Parque e O Leãozinho.
Em entrevista, Gil comenta o repertório do show e fala da parceria duradoura
É possível colocar reparo em um programa em que dois dos maiores totens da música brasileira apresentaram um repertório tão reluzente e sortido? Sim, cabe fazer uma ponderação: essa rica convivência artística e de vida de meio século poderia ser também lembrada por Caetano e Gil com algumas histórias e memórias divididas em cena com os espectadores, já que o formato banquinho-e-violão sugere essa intimidade. O duo, porém, preferiu concentrar-se em cantar e tocar as 30 músicas do repertório.
Confira um ensaio fotográfico no Focoblog
Uma pequena omissão que, no entanto, em nada diminuiu o brilho da noite. Um show que certamente vai ficar na memória afetiva de quem testemunhou o vigor criativo desses sempre novos baianos.