
Segundo determinação aprovada nesta quarta-feira pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério da Cultura (MinC) não poderá aprovar subsídios para projetos com "forte potencial lucrativo" pela Lei Rouanet. Ainda não há prazo para a medida entrar em vigor.
A resolução consta da análise do TCU da renúncia fiscal obtida pelo Rock in Rio de 2011, que tinha previsão de renda de R$ 34 milhões e obteve autorização para captar R$ 12,3 milhões - dos quais foram patrocinados efetivamente R$ 6,7 milhões. A informação foi noticiada pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira.
O TCU não determinou que todos os projetos comerciais sejam proibidos de captar pela Lei Rouanet; apenas aqueles com "forte potencial lucrativo" e capacidade para atrair investimentos privados sem renúncia fiscal.
ENTREVISTA: Leandro Valiati, professor de Economia da Cultura
A manifestação do TCU, determinando que o MinC abstenha-se de subsidiar projetos de forte potencial lucrativo, é uma novidade?
É uma novidade esse debate estar se institucionalizando e estar sendo feito por outras instâncias que não o próprio Ministério da Cultura e o setor cultural. Esse debate já acontece há bastante tempo (no MinC e no meio cultural), inclusive no que diz respeito à verificação do problema que é o sistema se subsídio à cultura via renúncia fiscal no Brasil.
Na sua opinião, os megaeventos devem ser subsidiados pela Lei Rouanet?
Na minha opinião, não. Acho que a Lei Rouanet tem que ter um objetivo associado a projetos que o mercado não pode viabilizar. Quando a Lei Rouanet foi criada, no governo Collor, era a salvação do setor cultural brasileiro do ponto de vista econômico porque era um ambiente de profunda recessão orçamentária para a cultura. A Lei Rouanet, nesse caso, apareceu como um caminho para que o dinheiro do setor privado entrasse no setor cultural. Nesses quase 25 anos de Lei Rouanet, todo o contexto de viabilização financeira do setor cultural mudou, e a lei não acompanhou essa mudança. Isso gera uma enorme concentração, na medida em que esse tipo de mecanismo de financiamento, na sua constituição, não é adequado para gerar diversidade na perspectiva do financiamento cultural. No fundo, é o marketing que guia o mecanismo de decisão das empresas; não é se tem maior ou menor valor cultural. A forma como a lei está redigida e como é utilizada pelo mercado leva a isso. O MinC só pode endurecer mais a sua relação com a lei de incentivo, ou seja, aprovar projetos que tenham uma dimensão mais de valor cultural, mas isso não é suficiente. Precisamos de uma revisão urgente da lei.
Que pontos precisam ser revistos na lei?
Primeiro, tem que se criar categorias de investimento na cultura. Eu tenho que entender a diferença entre patrocínio, participação e mecenato. Está claro na lei, mas a diferença na prática é muito pequena. Hoje, a diferença é o percentual em relação ao imposto que posso descontar ao participar dessas três categorias. Isso tem que ser aprofundado. Precisamos que o Congresso aprove uma nova lei. Há um projeto em circulação, a lei do Programa Nacional de Apoio à Cultura, que ainda está em tramitação e precisa de aprimoramento. Outro ponto: hoje, a Rouanet só permite que empresas com lucro real participem do processo. Isso é um problema porque, em geral, no Brasil, pequenas e médias empresas operam pelo lucro presumido. Também é necessário um esclarecimento maior sobre a possibilidade de participação da pessoa física. Já existe essa possibilidade, mas ela é pouco explorada.
Veja alguns projetos polêmicos da Lei Rouanet
2006
Em sua primeira turnê brasileira, com Saltimbanco, o Cirque du Soleil teve permissão para captar R$ 9,4 milhões. Após controvérsias, as turnês dos anos seguintes não tiveram incentivo.
2011
Maria Bethânia teve aprovado projeto de criação de um blog em que a cantora interpretaria poemas em vídeos. Depois da polêmica, o projeto não foi realizado.
2013
Claudia Leitte obteve autorização para captar R$ 5,8 milhões para uma turnê com 12 apresentações nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
2014
O cantor Luan Santana foi autorizado a captar R$ 4,1 milhões para uma turnê, com 15 shows, de divulgação do DVD Nosso Tempo É Hoje.