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"Vozes de Tchernóbil" documenta catástrofe nuclear e faz crônica sobre o regime soviético em queda

Livro da Nobel de Literatura Svetlana Aleksiévitch chega às livrarias do Brasil nesta terça-feira, 30 anos após desastre na Ucrânia

Alexandre Lucchese

A jornalista e historiadora Svetlana Aleksiévitch

Na madrugada de 26 de abril de 1986, uma série de explosões deu origem a um incêndio em um dos reatores da usina de Chernobyl, na Ucrânia. Era o início do maior acidente nuclear de todos os tempos, responsável por causar um número incalculável de mortes, multiplicar em 78 vezes os casos de câncer na região e espalhar radiação por diferentes continentes. No dia seguinte, sem ter ideia da gravidade do ocorrido, dezenas de crianças das redondezas percorriam quilômetros a pé ou de bicicleta em meio à poeira radioativa para ver a fumaça que ainda saía do local. Era azul e brilhava.

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Cenas como a descrita acima fazem parte de Vozes de Tchernóbil, livro lançado originalmente em 1997, mas que só nesta terça-feira chega às livrarias brasileiras, exatamente 30 anos após o trágico episódio. A edição brasileira é lançada meses após a autora do volume, a jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, ter alcançado reconhecimento mundial, laureada com o Nobel de Literatura em outubro passado. A escritora também virá em breve ao Brasil para uma participação na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorre entre 29 de junho e 3 de julho.

Zona abandonada próxima a Chernobyl

Qualificado pela Academia Sueca, responsável pela escolha do Nobel, como uma “obra polifônica, memorial do sofrimento e da coragem em nossa época”, Vozes de Tchernóbil é o mais elogiado livro da autora, realizado a partir de uma pesquisa de 10 anos na qual conversou com mais de 500 entrevistados. No extenso rol de fontes de Svetlana, figuram políticos, médicos e físicos, mas são os relatos de quem vivenciou de perto o desastre radioativo que constituem o cerne do trabalho. Entre eles, estão bombeiros, camponeses e liquidadores (civis e militares encarregados da limpeza da área), bem como seus familiares.

Os depoimentos se sucedem uns aos outros, sem que a autora os contextualize ou emita qualquer juízo, como um documentário que abre mão do narrador. O arranjo é muito bem executado, evitando redundâncias e fazendo com que o leitor compreenda a sequência dos fatos ali expostos sem qualquer dificuldade.

Pripyat, cidade abandonada por na zona contaminada pela radiação

Crônica da era soviética

O acerto de Svetlana na composição do livro, no entanto, não significa que ofereça uma leitura fácil. Ao contrário, o início da narrativa é uma verdadeira prova de fogo para quem pretende encarar suas 384 páginas. O primeiro relato é da viúva de um dos bombeiros convocados para apagar o fogo do reator – sem saber para onde estava indo e sem usar qualquer roupa especial. Grávida, ela burla a burocracia soviética para ficar próxima do marido nos últimos 14 dias de vida deste. Descrições do corpo que se desfazia aos poucos sobre o leito não são omitidas, expondo o leitor, de modo quase sádico, a vísceras, secreções e muita dor.

Não é menos chocante a descrição do modo como as autoridades trataram o ocorrido, buscando escondê-lo da comunidade internacional e da população. Nem mesmo os próprios soldados convocados a atuar na zona contaminada podiam acessar os exames que mediam diariamente a radiação de seus corpos, mesmo que o dado, mais tarde, pudesse ser importante para ajudar no tratamento de doenças decorrentes deste período de suas vidas.

Clube abandonado em Pripyat, na zona contaminada pela radiação

Com depoimentos profundamente humanos, mas que não deixam de lado o modo esquivo com que o Estado tratou o episódio, Vozes de Tchernóbil constitui um poderoso documento sobre a catástrofe nuclear, mas também uma crônica sobre o regime soviético em queda.

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