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O protagonista de Tudo sobre Vincent (2014) possui um dom extraordinário: sua força multiplica-se exponencialmente quando ele está em contato com a água. O filme francês que entra em cartaz na Capital nesta semana, porém, pouco lembra as aventuras hollywoodianas de super-heróis: o longa de estreia do ator, diretor e roteirista Thomas Salvador parece mais com um pequeno conto de fadas sobre um homem em busca de paz de espírito em um mundo cada vez mais impessoal e brutalizante.
O personagem principal é encarnado pelo próprio realizador, premiado em 2003 na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes com o curta Petits pas. Além de também dirigir e responder pelos efeitos especiais, Salvador assina o roteiro de Tudo sobre Vincent, com a colaboração de Thomas Cheysson e Thomas Bidegain – roteirista de filmes como e Dheepan: O refúgio (2015).
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Na trama, o magro e tímido Vincent chega a uma cidadezinha do sul da França e arranja emprego na construção civil. Sujeito discreto, acaba tornando-se amigo do colega de trabalho Driss (Youssef Hajdi). Durante uma de suas frequentes idas a lagos e rios próximos para nadar, Vincent conhece Lucie (Vimala Pons), com quem começa a namorar. Essa vida tranquila, no entanto, é abalada quando um incidente revela o superpoder do esquivo protagonista.
Rodado em belas locações na região da Côte d’Azur, Tudo sobre Vincent vai na contramão de certo cinema francês verborrágico, narrando sua delicada história em sucintos 77 minutos, com poucas palavras e muitas imagens encantadoras.
– Estou atualmente escrevendo meu próximo longa-metragem, que será um film noir. Será a história de dois homens que procuram uma garota que desapareceu – explica Thomas Salvador em entrevista a ZH.
Como nasceu a história do filme?
O filme é parte de uma imagem que eu tinha em mente, a de um homem nadando nos pequenos rios, longe da civilização. A ideia de força e poder veio em seguida.
Como Bruce Banner/Hulk e os mutantes X-Men, Vincent ainda está sempre fugindo para esconder seus poderes especiais. Vocês se basearam nesse tipo de conflito de super-herói para escrever o roteiro?
Eu sem dúvida fui influenciado pelos super-heróis que via nos filmes ou lia nos quadrinhos, mas estou realmente distante do meu personagem, que tentei incluir na França contemporânea, com seus problemas específicos.
O roteiro é econômico, com poucas palavras, mas narrativamente poético e eficaz. Você pode comentar como foi escrever o roteiro a seis mãos?
O roteiro era complicado de escrever, por essas razões que você menciona. No filme, os personagens são descritos essencialmente por suas ações, suas atitudes, alguns detalhes. É difícil explicar isso por escrito, e ainda quando vemos os personagens na tela sentimos muitas coisas, mesmo que eles falem pouco!
Como foram feitas as cenas na água, em que você aparece nadando em alta velocidade e dando saltos impossíveis?
Eu queria criar um efeito realista para essas cenas, de modo que se tivesse a impressão, a sensação de que Vincent realmente executa essas ações. Para isso criamos sistemas mecânicos usando cordas, trampolins, uma espécie de propulsor ligado a botas de esqui... Tudo é natural e feito como você vê no filme, em situações reais. Não há estúdio ou efeitos digitais!
Algumas cenas entre você e a atriz Vimala Pons parecem ter sido improvisadas. Como foi a rodagem do filme?
A filmagem foi muito intensa para todos e muito física para mim que dirigi, atuei e fui meu próprio dublê! Para a sequência em que o personagem de Lucy questiona Vincent há realmente improvisação, mas sobre uma escrita. Esses momentos improvisados dão vida aos personagens, que existem mais por sua energia do que por uma "psicologia" imposta.
Quais são suas influências cinematográficas?
Minhas influências são muito diversas. Sempre vi e continuo a ver um monte de filmes, tanto blockbusters como filmes de arte experimentais. Eu gosto da diversidade de perspectivas que o cinema permite. Mas eu posso dizer que sempre tive uma queda por filmes de fantasia e filmes que nos levam longe daquilo que conhecemos.
Na sua opinião, quais são os cineastas que se destacam agora, especialmente entre os franceses?
Eu amo David Cronenberg, e espero que ele faça um novo filme brevemente... Eu amo também Kiyoshi Kurosawa. Eu não deveria dizer isso, mas vejo menos filmes franceses do que estrangeiros, mas ainda existem alguns cineastas que eu gosto, como Alain Guiraudie, os irmãos Larrieux (Arnaud e Jean-Marie), Serge Bozon.
Quais são os seus próximos projetos como diretor e ator?
Atuei no meu filme porque me sinto perto do personagem e gosto de fazer acrobacias! Mas eu não me sinto ator, e, portanto, não tenho nenhum projeto como ator... Estou atualmente escrevendo o próximo longa-metragem que vou realizar, que será novamente um filme de gênero, dessa vez um film noir. Será a história de dois homens que procuram uma garota que desapareceu...