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O clássico A interpretação dos sonhos (1899), que ganhou sua primeira tradução para o espanhol em 1922, tornou-se uma importante fonte de inspiração para Salvador Dalí (1904 – 1989), que venerava a figura de Sigmund Freud (1856 – 1939). O pintor espanhol entendeu que a obra fundadora da psicanálise oferecia uma chave de criação também para o surrealismo, movimento interessado nas manifestações inconscientes.
Até hoje a relação entre o surrealismo e a psicanálise é motivo de intenso debate. Mas, apesar das afinidades, Freud e Dalí tiveram apenas um encontro, em 1938, em Londres, mediado pelo escritor Stefan Zweig, a pedido do artista espanhol. Foi um contraste de gerações: o criador da psicanálise estava, então, no fim da vida (morreria no ano seguinte), enquanto Dalí era um jovem de 34 anos. O detalhe inusitado ficou por conta de um problema de língua: Dalí não falava alemão, nem inglês.
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A partir do episódio histórico, o dramaturgo britânico Terry Johnson imaginou uma divertida interação entre os dois personagens na peça Histeria, que ganhou versão brasileira dirigida por Jô Soares. É essa montagem de sucesso em São Paulo que chega agora a Porto Alegre, em sessões de sexta a domingo no Theatro São Pedro. Estão no elenco Pedro Paulo Rangel (como Freud) e Cassio Scapin (Dalí), além de Erica Montanheiro e Milton Levy. Scapin acredita que uma das qualidades do trabalho é saber combinar informação histórica e diversão. Na opinião do ator, Jô torna acessível, sem simplificar, um texto que poderia soar hermético:
– Não é uma montagem para iniciados. Jô é um grande comediante e tem um talento bárbaro para adaptação e direção. É uma peça cujo entendimento poderia exigir referências dos espectadores, mas Jô consegue deixar tudo muito palatável.
Scapin já guardava referências a Dalí desde uma viagem à Espanha, anos atrás. As memórias serviram para embasar sua caracterização, como relata:
– Há uma discussão paralela sobre como os dois, Dalí e Freud, tornaram-se figuras midiáticas em suas épocas. Dalí e Gala (esposa do pintor) souberam usar esse recurso da mídia já naquele tempo. Dalí inventou um personagem para si, tanto que se referia si mesmo na terceira pessoa. Não sabemos o que era teatro e o que era vida.
Já Rangel conta que foi chamado às pressas para participar da montagem devido a uma substituição e teve apenas 11 ensaios para preparar seu Freud. Depois da estreia, no entanto, continuou a pesquisa. Segundo ele, o criador da psicanálise é uma figura tão incrustada na cultura que muitos guardam sua própria idealização acerca de sua personalidade:
– A grande maioria das pessoas não leu Freud, mas fantasia bastante em relação a ele. O que é dito em cena no espetáculo esclarece aspectos desse personagem, e essas informações se somam às informações gerais que cada um já tem.
Rangel agora espera que a circulação nacional do espetáculo encontre o mesmo sucesso que teve a temporada em São Paulo:
– Não foi o tipo de sucesso normal, motivado pelo boca a boca, em que o público vem aos poucos. Foi diferente. Da primeira à última apresentação em São Paulo, as casas estiveram sempre lotadas. Isso é um bênção nos tempos que vivemos.
O pintor e o psicanalista
Histeria foi escrita por Terry Johnson e estreou em Londres em 1993, com direção da prestigiada encenadora Phyllida Lloyd (que no cinema dirigiu Mamma Mia! e A dama de ferro) e Henry Goodman e Tim Potter no elenco. Nos anos seguintes, o texto ganhou outras montagens, uma delas com direção do próprio Terry Johnson. No texto original, Salvador Dalí (1904 – 1989) e Sigmund Freud (1856 – 1939) se encontram para um chá da tarde na casa de Freud em Hampstead, capital inglesa, durante o verão de 1938. No meio da conversa, o pai da psicanálise recebe a visita de uma jovem paciente que vai expô-lo diante do célebre pintor surrealista. Na versão brasileira, além de Pedro Paulo Rangel (como Freud) e Cassio Scapin (Dalí), a montagem conta com as presenças de Erica Montanheiro e Milton Levy.
HISTERIA
Sexta, às 21h; sábado, às 20h; e domingo, às 18h.
Duração: 105 minutos.
Classificação: 14 anos.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 40 (galeria), R$ 80 (camarote lateral), R$ 100 (camarote central) e R$ 120 (plateia).
À venda na bilheteria do teatro nesta sexta, das 13h até a hora da sessão, e sábado e domingo, a partir das 15h, além do site compreingressos.com.