Amo e odeio o mês de dezembro. Suas festas obrigatórias me incomodam. A suspensão da vida normal soa impositiva. Mas não fujo das tradições. Entro no clima: telefono para os amigos, desejo-lhes saúde e realizações, compro presentes, espero a vinheta da Globo e o especial do Roberto (este ano tem Gil, Caetano e Marisa Monte). Vida nova no ano novo? Antes, experimentaremos euforias efêmeras e crises inevitáveis. Sabemos: crises são confrontos entre promessas que não vingam e a realidade que nos cabe.
Lembranças natalinas? Duas cantoras lançaram discos soberbos: Madeleine Peyroux (Secular hymns) e Norah Jones (Day breaks). Para ouvir o ano inteiro. Livros podem ser bem-vindos: o perturbador O homem sem doença, do holandês Arnon Grunberg, o último Daniel Galera, o ótimo Meia noite e vinte, e o igualmente ótimo Simpatia pelo demônio, do Bernardo Carvalho. Ou Noturno do Chile, do Roberto Bolaño, sobre o qual Susan Sontag escreveu: "É o que há de melhor e de mais precioso: um romance contemporâneo destinado a ter lugar permanente na literatura mundial".
2016 foi um ano conturbado. A hostilidade brasileira extrapolou. Fernanda Takai, discriminada em redes sociais por suas posições políticas, resumiu bem: "A gente tem que seguir o que acredita. Não posso ficar fazendo pesquisa de opinião antes de fazer minhas coisas. O mais espantoso é algumas pessoas acharem que não tenho o direito de me posicionar". Ferreira Gullar complementou: "Cada dia que passa me convenço mais que, quando se trata de política, as pessoas têm dificuldade de aceitar uma opinião, se ela contraria suas convicções". As difamações caluniosas dessas redes, aliás, são o tema central de O tribunal da quinta-feira, do Michel Laub. Leitura recomendada a todos, principalmente aos adeptos de tais práticas. Como bem diz o Reinaldo Azevedo: "Nunca bati palma para maluco dançar. Não vou começar a fazê-lo agora".
As vozes sensatas que clamam contra esse país cada vez mais insensato merecem aplausos.