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Bernardo José de Souza, 42 anos, começou a atuar nesta semana como curador residente da Fundação Iberê Camargo (FIC), cargo criado em um plano de reposicionamento da instituição, que vive uma crise. Em agosto de 2016, funcionários foram demitidos, e o horário de visitação para o público foi reduzido a sextas e sábados. Ainda não há previsão de inauguração da primeira mostra de 2017.
O curador residente ingressou na FIC após a saída do superintendente cultural Fábio Coutinho, dentro de uma proposta de abertura a outras manifestações artísticas e áreas do conhecimento. A mudança teve entre suas motivações o resultado de uma pesquisa sobre a imagem da instituição junto a agentes culturais.
Graduado em Comunicação e especialista em Fotografia e Moda, Bernardo José de Souza foi convidado pelo diretor-presidente, Justo Werlang, a apresentar uma proposta para o espaço – que foi aprovada pela diretoria. Entre 2005 e 2013, teve uma marcante passagem como coordenador de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre.
Com a criação do cargo de curador residente na FIC, quais serão exatamente as suas funções?
Entendo que o convite tenha vindo justamente para que a Fundação possa ser capaz de desenvolver um programa autoral, possa ser propositiva em relação ao que ela exibe, aos programas de debate, de articulação mais ampla com a sociedade gaúcha, do Brasil e do mundo. Minha ideia é, em um primeiro momento, estabelecer interlocução, dar início a uma série de conversas com agentes culturais e segmentos sociais bastante diversos, não apenas vinculados à comunidade artística imediata, mas também aos demais campos do conhecimento, para poder estabelecer um programa que faça sentido num escopo local. Mas, tão logo essa primeira etapa seja vencida, quero também buscar articulação com outras instituições e outras instâncias do Brasil e do mundo.
Isso quer dizer que a FIC vai se abrir mais para outras artes, como música, cinema, teatro e literatura?
Passa por isso também, mas no meu entendimento passa também por buscar interlocução com outros campos do conhecimento, seja nas ciências humanas ou exatas. Uma das coisas que me parecem fundamentais nesse contexto da cultura no século 21 é a capacidade das artes em geral se articularem com outros campos do conhecimento. A ideia é que a FIC possa ser uma espécie de centro gravitacional para onde convergem as mais variadas inteligências – locais, nacionais e internacionais. Claro que uma instituição como esta deve se reportar ao passado e revisá-lo, deve estar atenta ao que se processa no presente, mas a ideia é um pouco tentar resgatar nossa capacidade de projetar o futuro. Então, o eixo curatorial inicial que está sendo pensado tem a ver com criatividade, fantasia, utopia, transformação e inovação.
Que tipos de ações estão sendo pensadas?
Neste momento, tudo são discussões e debates, que vão levar a um programa que vai se tornar público tão logo seja possível. Recém cheguei, então as coisas estão muito mais no campo da especulação e das ideias. Mas o plano, além da ocupação do prédio com exposições temporárias, é que haja uma série de outros programas públicos: programas de aprendizagem (cursos, workshops etc.), programas de reflexão ou pensamento (seminários, debates e painéis) e programas mais pontuais, que vão se dar a partir dessa conversa com outras disciplinas ou manifestações artísticas.
Tomou conhecimento da pesquisa da Edelman Significa?
Recebi uma certa edição desses resultados, não tive acesso à pesquisa por completo. Sinalizava, entre outras coisas, para uma instituição que estivesse mais aberta, que fosse mais permeável e democrática, que propusesse uma articulação maior com outros segmentos da sociedade, tanto na esfera cultural quanto na social e política.
O que a FIC espera de você?
Acho que fui escolhido por ser uma pessoa que vem atuando como curador há mais de 10 anos. Como o Brasil e o mundo, a FIC passa por um momento financeiro difícil. Talvez tenham identificado em mim essa capacidade de desenvolver projetos com recursos bastante inferiores do que normalmente uma fundação desse porte opera.
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Em contraste com a efervescência de planos, a FIC tem uma situação complicada do ponto de vista financeiro. A Fundação tem um plano para sair da crise?
Essa não é uma das minhas atribuições, graças a Deus. Senão, seria um desastre. Claro, dentro das minhas capacidades, posso estabelecer contatos e articulações com outras instituições que espero que respondam muito bem aos convites para colaborar conosco, assim como a FIC também estará disposta a colaborar com elas. Do ponto de vista curatorial, essa é uma estratégia: que as coisas possam ser construídas colaborativamente, que as instituições, os atores e os setores sociais dialoguem sobre as contrapartidas e que se possa construir alguma coisa sem necessariamente precisar de somas altíssimas de dinheiro. Mas há um plano de captação que está sendo pensado. Não o conheço em detalhes, sei que está sendo desenvolvido.
A FIC tem aprovado na Lei Rouanet o seu plano anual de atividades de 2017, que prevê cinco exposições. Elas estão confirmadas? A mostra sobre o projeto Torreão, prevista para o início deste ano, ainda não tem data de inauguração.
Todo o cronograma está sendo revisado. A ideia é aproveitar os projetos que já existiam, mas talvez repensar a agenda de realização. Ou seja, manter a programação que já havia, introduzindo coisas novas ao longo do ano.
Ainda não há previsão de quando será aberta a primeira grande mostra do ano?
É um desses momentos de transição em que as coisas ficam num certo stand by. Entendo que seja muito mais um momento inicial, ainda mais com essa mudança grande, estrutural, que está sendo feita, incluindo a minha chegada, com muitas reuniões e conversas. É um momento de entender que passos são esses a serem dados, em que ritmo, velocidade e direção.
Embora você não seja o homem das finanças, como comentou antes, o projeto da Lei Rouanet obteve autorização para captar R$ 6,5 milhões. Você tem ideia do quanto a FIC pretende efetivamente captar?
Não tenho. Essa questão da captação não é algo de que eu tenha conhecimento. Estou chegando a Porto Alegre hoje (sexta-feira passada) para dar início ao trabalho propriamente na segunda-feira (anteontem). Até o momento, foram conversas preliminares por telefone, Skype etc. Vim passar alguns dias em Porto Alegre antes do Carnaval justamente para começar a tomar pé da situação. Mas qualquer afirmação mais direta nesse momento seria muito precoce.
Existe algum plano para que a FIC volte a ser aberta ao público todos os dias da semana?
A ideia é que, tão logo seja possível, se possa voltar a operar a plenos pulmões. Mas, realmente, é um momento de transição.
O prédio da FIC é ele mesmo uma obra, projetada por Álvaro Siza. Mas há algum tempo a fachada está suja. Existe a perspectiva de ser limpa?
Essa é uma das grandes preocupações. É, de alguma maneira, um recomeço dessas atividades e tudo isso depende de viabilizá-las financeira e conceitualmente. Esses passos e as prioridades terão que ser dados a partir de um estudo muito sério do que será possível à medida que essa captação começar a ocorrer de maneira mais completa.
Existe uma data estipulada para que seja divulgada sua proposta curatorial para 2017?
Ainda está em construção. Sinalizei alguns rumos, mas essa construção mais definitiva só vai se dar a partir da minha chegada de fato. Por enquanto, não existe uma data definida nem para a reabertura todos os dias da semana e nem para a divulgação desse programa curatorial.