Gustavo Brigatti
Eu tenho essa impressão, há um bom tempo, de que a música entrou em um looping inescapável de auto referência. E que na impossibilidade de criar algo realmente novo, original, o negócio é partir para variações sobre os mesmos temas. Ouvindo Sem Palavras, percebo que esse movimento, às vezes, não é de todo ruim e dele podem sair excelente surpresas.
Organizado pelo produtor e jornalista Leonardo Vinhas e lançado pelo site Scream & Yell, Sem Palavras reúne dez bandas instrumentais brasileiras e uma argentina recriando canções de artistas tão opostos quanto Astor Piazzolla e Ramones. E quando eu digo recriando eu digo botando abaixo toda a estrutura conhecida e erguendo uma nova obra, preservando apenas a essência original.
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Pega-se, por exemplo, a Yangos, excelente combo instrumental gaúcho de forte pegada latina, que produziu nada menos que uma versão gaudéria de The Trooper, clássico do Iron Maiden. E o que dizer da banda de experiências eletrônicas Muntchako que virou do avesso Emoções, de Roberto Carlos, numa versão com colagens sonoras e base de guitarras distorcidas?
Há ainda os rockers da Skrotes mandando uma versão jazz-de-restaurante de Symptom of The Universe, do Black Sabbath (com uma surpresinha lá no meio, ouça inteira). Já a festiva Private Idaho, do B-52's, foi devidamente retorcida para um punk rock acelerado pela Camarones Orquestra Guitarrística.
E tem mais: Pata de Elefante tocando Rolling Stones (Monkey Man), Esperando Rei Zula fazendo a própria versão de Always On My Mind, Magarabat subvertendo The Telephone Call, do Kraftwerk, entre outros.
É nessa estranheza que reside a singularidade e a beleza de Sem Palavras. Não é um disco instrumental de tributo, mas o resultado de experiências que, pela ordem natural das coisas, dificilmente aconteceriam. São ainda variações sobre os mesmos temas, mas que provam ser possível avançar mesmo em um terreno já saturado. Que grande vitória.