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É um sonho fantástico comum a muitos de nós: voltar no tempo até a adolescência (não só para ler gibis sem contas a pagar e com tempo mais livre!), mas carregando na bagagem emocional a maturidade da vida adulta. Aí saberíamos lidar melhor com as vicissitudes dessa fase: o desejo de pertencimento, o sentimento de inadequação, a descoberta da sexualidade, a solidão no Dia dos Namorados, a cobrança de nossos pais, o bullying dos colegas de escola. Mas não sabemos, e é isso o que torna espinhoso esse período espinhento.
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Eis o cenário e os temas de Alena (120 páginas, R$ 59,90), HQ do sueco Kim W. Andersson (com diálogos escritos em parceria com Carl-Michael Edenborg) que já virou filme em seu país de origem e que foi lançada no Brasil pela Avec. Trata-se de uma editora de Porto Alegre focada em literatura e quadrinhos do gênero fantástico e suas ramificações – com espaço para autores nacionais, vide O Coração do Cão Negro (54 páginas, R$ 39,90), aventura protagonizada por um mercenário irlandês criado entre os vikings, obra de Cesar Alcázar e Fred Rubim, e Le Chevalier: Arquivos Secretos (54 páginas, R$ 39,90), trama steampunk ambientada na Paris do século 19 por A.Z. Cordenonsi, também desenhada por Rubim (mas com nítida diferença de estilo, vale elogiar).
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Alena é vendida como uma história de terror – basta ver a moça ensanguentada com tesoura na mão que aparece na capa. Mas, para mim, o verdadeiro terror prescinde do gore, a representação gráfica de sangue e violência. Kim W. Andersson mostra-se um eficiente servidor de dois patrões: aquele que demanda ação e suspense e aquele que espera um desenvolvimento mais psicológico dos personagens. No caso, uma adolescente que enfrenta situações tão corriqueiras quanto limite – eis o terror: como enfrentar o assédio amoroso (se é que se pode chamar de amoroso um assédio) de um ou uma colega, como enfrentar a alternância de desprezo e perseguição por parte de outros alunos da escola, como enfrentar esse período da vida em que apenas o hoje e o agora parecem existir.
Nossa protagonista vê-se em xeque desde a primeira cena da HQ, desenhada com traços fortes e cores sóbrias por Andersson.
– Como assim, conheci um cara? – inquire a espevitada Josefin à tímida Alena. – Desde quando a gente se interessa por caras?
A todo instante, os personagens a seu redor lhe cobram alguma coisa: ler uma carta de amor, visitar uma vez por semana a terapeuta da escola, revidar o abuso perpetrado pela craque do time de lacrosse (um jogo, com todo o respeito, esnobe até no nome). As escolhas que Alena faz não podem ser de todo condenadas. Talvez nem devam ser consideradas escolhas – são impulsos, imposições hormonais, inconscientes mecanismos de autodefesa. Descobrir-se capaz daquilo – ah, eis novamente o terror.
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