
Uber, Airbnb, Linkedin, wi-fi, food trucks, trigger warnings, pop up restaurantes. Não faltaram referências "up to date" aos episódios de Gilmore Girls: A year in the life, disponíveis na Netflix desde o dia 25 de novembro. O que faltou, na verdade, foi ter o que dizer nessa retomada do universo da série Gilmore Girls, exibida entre 2000 e 2007. Ao final dos quatro episódios, quando Rory profere as famosas "quatro últimas palavras", que, segundo a criadora da série, estavam planejadas desde o início (mas nunca foram usadas antes porque Amy Sherman-Palladino não participou da temporada que encerrou a série, em 2007), a sensação foi a de que Gilmore Girls reencarnou como uma criatura enterrada em um Pet Sematary: igual, mas muito diferente. Desconfortavelmente diferente.
Atenção, spoilers a partir daqui.
Voltar a um universo ficcional cheio de fãs é um risco enorme. As pessoas querem rever seus personagens queridos exatamente como eles ficaram guardados na memória – mas, se o tempo passou, e eles continuam exatamente iguais, algo parece soar falso. A nova temporada conseguiu cometer os dois erros ao mesmo tempo: foi infiel ao caráter de alguns personagens e congelou outros no tempo.
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Alheia ao tempo e ao espaço, Lorelai Gilmore (Lauren Graham) parece não ter outro interesse no presente a não ser a comida. Trabalho, casamento e mesmo a relação com Rory (eixo da série original) parecem estacionados. Além disso, continua com a mesma relação com a mãe – talvez aceitável para uma mulher de 30, mas esquisita em uma mulher de 50. É verdade que nem toda sua desgraça pode ser atribuída aos roteiristas. Lauren Graham, que já não era assim uma Meryl Streep, parece ter tido dificuldade para voltar à antiga personagem – e talvez seja a maior responsável pelo permanente ar de zumbi de Lorelai.
Rory Gilmore (Alex Bledel), por sua vez, vaga, perdida, sem qualquer conexão com a menina leal e inteligente que conhecemos. Que mulher de 30 e poucos anos mantém um namorado pelo qual não sente nada, torna-se amante de um namorado da adolescência que ela mesma dispensou anos antes e nunca fez sexo casual na vida? E, acima de tudo: que jornalista pega no sono fazendo uma entrevista?
A impressão que se tem é que Amy Sherman-Palladino, esta sim, pegou no sono enquanto escrevia o roteiro para a Netflix.
O que funcionou:
1) A nova vida de Emily Gilmore - A mudança de casa, o novo emprego e até o novo namorado: tudo pareceu coerente com a história da personagem.
2) O musical sobre Stars Hollow - Talvez um pouco mais longo do que o necessário, mas muito bem feito.
3) O curta-metragem do Kirk - Non sense na medida certa, poderia estar na série original.
4) O retorno a Chilton - Uma ideia simpática que combinou com o clima de nostalgia dos espectadores.
5) As famosas quatro últimas palavras - Fizeram todo o sentido, e abriram caminho para uma continuação (não descartada) da série.
O que não funcionou:
1) Rory e a turma de Logan - O reencontro de Rory com Colin, Finn, Robert e Logan por uma noite foi das cenas mais bobas e injustificáveis.
2) A volta de Christopher - Que pai diz para a filha que sempre achou que ela nasceu para ser criada só pela mãe?
3) Lorelai e a comida - O que era apenas um detalhe na série original, o gosto por junk food, ocupou boa parte das cenas de Lorelai. Faltou assunto.
4) Paul, o namorado chato - Era para ser engraçado, mas é apenas patético (e cruel) alguém ter um namorado e sempre esquecer que ele existe.
5) Logan, o homem congelado - De todos os personagens, é o que mais parece ter parado no tempo, como se os roteiristas tivessem ficado com preguiça de inventar uma história para ele.