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No cinema de David Lynch, de Eraserhead (1977) a Veludo Azul (1986), passando por Cidade dos Sonhos (2001), a fronteira entre a realidade e o onírico é sempre tênue. E entrevistar o lendário diretor também é navegar em águas desconhecidas. Lynch encadeia metáforas sobre peixes e galinhas, parece insinuar que não fará mais filmes para o cinema e mantém o mistério sobre os novos episódios de Twin Peaks.
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A mítica série que revolucionou a televisão, com duas temporadas exibidas entre abril de 1990 e junho de 1991, volta ao ar 26 anos depois, a partir do próximo domingo (21) no canal americano Showtime. Ainda não se tem previsão de exibição no Brasil.
O Showtime divulgou apenas um teaser voltando a rostos e locais emblemáticos dessa saga policial. Pouco se sabe de seu conteúdo, além do retorno de alguns nomes do elenco original. Entre eles, Kyle MacLachlan, que imortalizou o agente do FBI Dale Cooper, enviado à cidadezinha de Twin Peaks para investigar o assassinato de uma jovem. Lynch e seu parceiro de criação, Mark Frost, desenvolveram o enredo combinando suspense, melodrama, terror, ficção científica e humor pastelão.
Lynch é considerado um dos maiores diretores de sua geração. Seu último longa-metragem é de 2006, Império dos Sonhos. Passou os últimos anos fazendo videoclipes e curtas-metragens, pintando, compondo e desenhando.
– As coisas mudaram muito nesses 11 anos, entre elas a forma como as pessoas percebem os filmes, o fato de muitos deles não funcionarem bem nas bilheteria apesar de serem grandes filmes – disse Lynch em entrevista coletiva, em Los Angeles. – E as coisas que fazem sucesso nas bilheterias não são as que eu queria fazer.
Isso quer dizer que já rodou seu último trabalho para o cinema?
– Acredito que sim – respondeu, acrescentando que nesse momento a televisão é "um lugar precioso".
A trama dos oito episódios da primeira temporada de Twin Peaks fascinou uma geração de espectadores com o enigma "Quem matou Laura Palmer?" e abriu caminho para um nova forma de fazer ficção televisiva de qualidade. O entusiasmo de público e crítica esfriou durante a segunda temporada, com 22 episódios – a revelação da identidade do culpado, na metade da trama, foi imposta pelo canal ABC. Mas Twin Peaks já tinha se transformado em obra cult, e sua volta é um dos eventos mais esperados do ano na TV.
David Lynch e sua equipe mantiveram em segredo os detalhes dos 18 novos episódios, localizados 25 anos depois do final da segunda temporada. Antes da entrevista, foi pedido que os jornalistas não perguntassem nada sobre "a trama, os personagens e os lugares". Até as perguntas mais gerais só tiveram respostas vagas.
– Ideias são como peixes. Se você quer um peixe, põe a isca no anzol, joga na água e espera a ideia se aproximar para você pegar – destacou Lynch em relação à sua filosofia como cineasta. – Depois, a pergunta é: gostamos desse peixe, dessa ideia?
O diretor de 71 anos, seguidor fervoroso da meditação transcendental, não deixou claro se os novos episódios são voltados para os fãs da série ou se espera conquistar uma nova geração de espectadores.
– Há uma expressão védica (idioma ancestral): "O homem tem o controle da ação, não dos frutos dessa ação". Assim, quando termina algo, perde o controle sobre isso, e é o destino que decide – concluiu com ar enigmático.
Velhos rostos e novos enigmas a decifrar
A expectativa sobre a volta de Twin Peaks e o prestígio de David Lynch garantiram ao renovado seriado um palco nobre de lançamento. Os dois primeiros episódios terão première mundial no Festival de Cannes, a principal mostra competitiva do cinema mundial, que tem início nesta quarta-feira (17), na França. Lynch já conquistou a Palma de Ouro em Cannes com Coração Selvagem (1990), filme que realizou em paralelo a Twin Peaks. Ganhou ainda prêmio de melhor diretor com Cidade dos Sonhos (2001).
A nova temporada de Twin Peaks terá Lynch como diretor de todos os episódios. Ele também volta a participar da trama interpretando Gordon Cole, superior de Dale Cooper no FBI – o personagem marcou uma divertida presença na série por falar aos gritos em razão da surdez.
Além de Kyle MacLachlan como Cooper, estão de volta, entre outros nomes, Mädchen Amick (a garçonete Shelly), Dana Ashbrook (o bad boy Bobbys) e Kimmy Robertson (Lucy Moran, assistente do xerife). Curiosamente, retornam intérpretes de personagens que já morreram, como Sheryl Lee (Laura Palmer/Maddy Ferguson) e Ray Wise (Leland Palmer) – um saboroso detalhe no universo de Lynch.
Sherilyn Fenn, como Audrey Horne; Miguel Ferrer, no papel do perito Albert Rosenfeld (o ator registrou sua participação pouco antes de morrer, em janeiro passado); e David Duchovny, como a travesti agente da divisão de narcóticos Denise, fazem participações especiais. Entre as caras novas em Twin Peaks, destaque para Laura Dern, musa de Lynch em filmes como Veludo Azul (1986) e Coração Selvagem, e Naomi Watts, protagonista de Cidade dos Sonhos.