
Ainda no hotel de Curitiba, na terça-feira, à espera do jogo de quarta do seu Bahia contra o Atlético-PR, o técnico Cristóvão Borges mal podia conceder entrevista, por telefone. A todo momento, interrompia a conversa para tratar de questões da delegação. Mas falou disso: de vencer como técnico sendo negro.
Zero Hora - Você é o único técnico negro no Brasileirão. O que pensa disso?
Cristóvão - Não apenas sou o único negro e nordestino na Série A, mas no futebol brasileiro (Hélio dos Anjos deixou o Fortaleza). Se só existe um, no mínimo, é curioso. Deve haver alguma distorção. Todo mundo sabe do assunto e ninguém fala. Quando técnico do Vasco, sentia que existia comigo uma tolerância menor.
ZH - Você é exemplo a ser seguido?
Cristóvão - No meu caso, como agora estou aparecendo e fazendo uma boa campanha, aí querem me usar como bandeira. E eu não sou bandeira, não carrego bandeira nenhuma em relação ao racismo. Eu sou muito resolvido em relação a isso. A maior bandeira que eu posso carregar, como negro e nordestino, é dar certo. E já citei exemplos de grandes negros importantes do mundo que não precisam de bandeira. Barack Obama é negro e por si é presidente da maior nação do mundo. A gente não precisa só ficar fazendo reclamações. Sei que exige mudança de pensamento - e isso não me pesa.
ZH - Você lida bem com a questão?
Cristóvão - Este tipo de discussão numa entrevista, às vezes não é legal, porque, qualquer coisa que você fala fica insuficiente. É necessário buscar as razões lá atrás. Porque o problema também é social. O negro tem dificuldades sociais. Temos menos oportunidades e, assim, é lógico que seremos muitos menos, seja como técnico ou como dirigente de futebol. Como falei, o importante é dar certo, porque só assim incentivo outros negros, que vão achar que também podem. Já fui confundido com servente, já me chamaram de macaco no campo, e eu sempre encarei essa situação de frente.