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Na geografia da Copa, a República Piratini e o território castelhano são banhados a sul e a oeste pelo Guaíba e fazem divisa dentro do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, a meio caminho entre o Centro e o Beira-Rio.
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A partir da sexta-feira, com a chegada a Porto Alegre de milhares de argentinos sem lugar para ficar, os gaudérios do Acampamento Farroupilha cederam alguns banheiros químicos e puxaram fiação elétrica até uma área vizinha do parque, deixando a estrangeirada fundar ali sua nação de trailers e barracas. No começo da tarde da segunda-feira, a fronteira teve de ser fechada. O país dos hermanos estava superpovoado.
Três de seus habitantes eram os médicos de Tucumán Getar Tomas, 45 anos, Juan Rodríguez, 49 anos, e Jorge Raitelli, 60 anos, que trouxe o filho de mesmo nome, com 21 anos. O quarteto embarcou em uma caminhonete na quinta-feira e, depois de 1,9 mil quilômetros, chegaram no sábado, a tempo de ver o jogo entre Argentina e Irã na fan fest. Eles dormem em um trailer pequeno, com um colchão de casal e um beliche, no qual não dá para ficar de pé, mas que está dotado de ar-condicionado e TV de tela plana.
- É a oportunidade de viver a Copa, estar perto da seleção. Reservamos mil dólares para os ingressos, mas não conseguimos até agora - reclama Tomas.
A alguns metros dos médicos de Tucumán, ergue-se a barraca de outros quatro amigos, portenhos. Eles puseram as malas no carro, assistiram juntos pela TV à vitória da Argentina sobre o Irã na tarde do sábado e, minutos depois do gol de Messi, tomaram a estrada. Chegaram em 15 horas.
- Temos fé de que vamos conseguir ingressos - diz um dos integrantes do grupo, o jornalista Mariano Martínez, 29 anos.
Martínez está bem impressionado com a estrutura oferecida no acampamento e a receptividade que encontrou na Capital:
- Na Argentina, dizem que é perigoso, mas a realidade é que os brasileiros estão nos tratando muito bem. Fizeram uma coisa de primeira neste acampamento, com água e luz, tudo grátis.
Em meio às fileiras de barracas, trailers e motor-homes, quase sempre com a bandeira azul e branca, os argentinos cozinham em liquinhos, bebem cerveja e organizam rodinhas de música.
Turma faz vaquinha para assar churrasco
Alguns formaram pequenas comunidades, como Gerardo Marcelo, 39 anos, que pegou um ônibus em Buenos Aires e chegou nesta segunda-feira, trazendo apenas alguns pertences em duas mochilas. No acampamento, fez um grupo de amigos, conseguiu um cantinho em uma barraca e agora participa das vaquinhas para comprar mantimentos. Para terça-feira, o plano do grupo é juntar dinheiro para dois costelões.
Nessa república argentina encravada em Porto Alegre, há lugar até para imigrantes. O forasteiro ali é Leonardo Ramalho, 18 anos. De Florianópolis, ele veio passar uns dias com a mãe. Depois, decidiu montar barraca e se misturar com os hermanos. Na segunda-feira, suas frases saíam com sotaque castelhano.
À tarde, como os argentinos continuavam chegando, as autoridades decidiram ampliar a área de acampamento no parque.
Dois anos vivendo em um furgão
Em 2012, os advogados argentinos Amparo Troncoso, 24 anos, e Santiago Echeverría, 28 anos, juntaram as economias, voaram para o México e compraram um furgão para viajar pela América Latina.
Foto: Mauro Vieira/ Agência RBS
- Vamos acabar a viagem durante a Copa, no Brasil - anunciou Santiago.
Amparo achou que o plano do namorado fanático por futebol era apenas um capricho momentâneo. Depois de alguns meses de aventura, ela pretendia estar de volta a La Plata para prosseguir na carreira. O projeto de Santiago triunfou. Na segunda, enquanto ele via os jogos no telão da fan fest, a jovem (ao lado) preparava artesanato no furgão que foi sua casa nos últimos dois anos.
- Percorremos 14 países. Aprendemos a fazer artesanato para viver. Quando a Copa começou, estávamos no Peru, sem dinheiro para a gasolina. Mas tivemos boas vendas, atravessamos a Bolívia e seguimos direto a Porto Alegre - diz Amparo.
No furgão, há armários, fogão, cama retrátil, mesa e até uma prateleira com livros.
- Tenho tudo, menos banheiro. É a minha casa - define Amparo.
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