
- Todo mundo quer uma história de amor na Copa - diz Annelise Pimentel, 20 anos, estudante de educação física, enquanto se dirgia com amigas à fan fest, pouco antes do início de Austrália x Holanda.
Natalia Pandolfo, 21 anos, indica para a terceira do grupo o interesse de um argentino.
- Ah não, argentino tem todo ano. E é pior que brasileiro - responde Gabriela Mendelski, 23 anos.
Com australianos e holandeses transbordando pela Cidade Baixa em oferta masculina nunca antes vista, o comentário de Annelise é mais do que justificável. Neste carnaval fora de época que só uma Copa do Mundo seria capaz de proporcionar às madrugadas frias de Porto Alegre, as gurias estão ganhando de goleada.
"Por que esse encantamento com os gringos?" perguntavam-se os guris, chateados com o insucesso na noite porto-alegrense por esses dias. O relato delas é unânime: é que eles, os estrangeiros, são "uns queridos".
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Júlia Alves Menezes, estudante de 24 anos, conheceu o australiano Crayden Bartlett, 23 anos, na Rua Lima e Silva. Na noite seguinte, o reencontrou. Crayden já deixou a cidade, mas há chances de os dois se reencontrarem, já que ela irá Austrália no ano que vem. O reencontro de Bruna Pilotto, 18 anos, e Daniel Pisani, 25 anos, é bem mais improvável. Os dois se conheceram na noite de quarta-feira e ele foi embora cidade no dia seguinte. Para trás, deixou boas impressões:
- Os australianos são bem mais reservados. Os brasileiros têm uma abordagem bem mais agressiva.
M.M., 32 anos, falou pela primeira vez com Frank Troost na segunda-feira, em um bar também na Lima e Silva. O holandês "estava na espreita", enquanto ela falava com um australiano. Em um minuto que o australiano saiu, Troost sentou-se no lugar dele. Ele curtiu a "morena com os olhos castanhos bem bonitos" que acabou o levando para experimentar uma torta no Machry, na Zona Sul. Juntos, passearam à beira do Guaíba.
- É um fofo. O europeu dá valor à mulher, bem mais que o gaúcho, que está contigo e olhando outras. Ele já disse até que me ama. E tentou me ensinar holandês - relata.
Os guris bem que se esforçaram para não ficar na saudade. "Esta deve ser australiana", disse um rapaz, apontando para uma das repórteres, uma típica representante da serra gaúcha. "Where are you from?" era a pergunta mais repetida para iniciar qualquer conversa. Mesmo anunciado o tema da reportagem, muitos seguiam tentando converter as jornalistas em seu "amor de Copa".
Neste fim de semana, chegam coreanos e argelinos, para o jogo no Beira-Rio. Será que terão o mesmo sucesso que seus disputados antecessores? Um argelino confidenciou à reportagem que não estava fácil para ele encontrar um amor aqui. Já o hondurenho P. C., 28 anos, não imaginava que se daria tão bem. Ficou com seis meninas apenas no dia de Honduras x França.
E o frisson pelos estrangeiros não se resume a heterosexuais. Dois rapazes, G.O, 32 anos, e T.Z., 24 anos acompanhavam o movimento da terça-feira à noite na Cidade Baixa. Abordados pelas repórteres, disseram em uníssono:
- Quero pegar um gringo até o final da Copa.
Paixão latina

O estudante de Administração Miguel Ramírez, 24 anos, usou a Copa como pretexto para fazer intercâmbio no Brasil antes de terminar a faculdade. Estava nos planos do mexicano de Águas Calientes, a cerca de 400 quilômetros da Cidade do México, ver um jogo do Mundial, de preferência da seleção de seu país. Conseguiu ingresso para Coreia do Sul x Argélia. O que não estava previsto era ir ao estádio acompanhado.
Colega da faculdade, Cíntia da Silva Santos, 22 anos, foi a primeira guia turística de Miguel na Capital. Juntos há alguns meses, não se separaram nem para ver o duelo entre Brasil e México. Cíntia tirou férias no período do Mundial para acompanhar os jogos ao lado do namorado mexicano. A dupla vive intensamente o clima da competição. Mas tão logo esta Copa termine, Miguel terá de fazer as malas.
- Ainda não pensamos como vai ser na hora de partir, mas quem sabe ela possa fazer um intercâmbio lá? - propõe Miguel.
Jeitinho brasileiro

Como a oferta de gringas era bem menos farta para eles, e elas só tinham olhos para holandeses e australianos, vestir um moletom amarelo e se infiltrar na caravana dos Fanatics - torcedores que acompanham a seleção do país pelo mundo - foi a estratégia adotada por um porto-alegrense que se garante no inglês. Ele aplicou para as gurias que era de fora. Jura que se deu bem no "embromeichom".
- As gurias daqui só querem saber dos gringos. Se falar que é brasileiro, elas nem te olham - comenta o canguru paraguaio, que preferiu manter o anonimato.
Por causa desse tipo de malandragem, houve quem duvidasse da identidade dos nativos da Oceania. Fora do padrão étnico esperado para um australiano no imaginário feminino, um moreno de olhos castanhos teve de mostrar o documento de identidade para comprovar a procedência.
Trova em holandês

Bruno Gehem estava bem faceiro aos beijos e abraços trinta minutos com a holandesa Marije Ardts perto da esquina da Lima e Silva com a República. Questionado se poderiam se reencontrar, afirmmou:
- Nem teve tempo para isso ainda. Mas nós dois estaremos em Amsterdã no próximo mês, no mesmo período.
Para evitar uma situação (ainda mais) embaraçosa, ambos terminaram de dar a entrevista, por telefone e Facebook, no dia seguinte. Natural de Antônio Prado, ele já namorou uma holandesa - e foi até morar na Holanda por causa daquela paixão. Fala holandês, talvez com algum sotaque.
- Ele me fez rir falando em holandês. Soava engraçado. Como eu tentando falar português - conta Marije.
Ela discordou da impressão de que holandeses e australianos são mais respeitáveis em relação às mulheres:
- Os holandeses podem ser verdadeiros idiotas. Eu gosto dos brasileiros, todos foram muito legais comigo.
Revolução feminista
As gurias presentes na festa na Lima e Silva, na Cidade Baixa, sabem o que os brasileiros estão pensando (e falando) por aí. "Elas vieram para dar o bote", disse um. A especialista em Estudos de Gênero e mestranda M.G., 25 anos, analisa o fenômeno:
- Arrisco dizer que a Copa revelou-se um dos maiores fenômenos feministas desde a primeira onda do movimento no Brasil. Afirmar que as mulheres não se dão o devido valor por se envolverem com os estrangeiros fere todo um passado de lutas pela liberdade sexual feminina, que como se vê, ainda constitui um tabu em nossa sociedade.
Uma cena exemplifica a depreciação às mulheres. Na Cidade Baixa, em um possível tom de piada, dois uruguaios perguntaram à doutoranda B.L., 25 anos, "quanto custava", sugerindo que queriam saber o preço de um programa.
- Só nos cumprimentamos, e um deles me sai com essa. Não estava preparada para lidar com tal grosseria, esse pensamento de que se uma mulher está na rua, sozinha, e é simpática com alguém, ela está à venda. Fiquei chocada. Se os uruguaios pensam isso, o que resta a quem vem de longe?
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