
Peça-chave do Grêmio de Luxemburgo, o zagueiro Werley é um daqueles mineiros inconfundíveis. Jeito quieto, fala mansa e sotaque característico.
É natural de Oliveira, cidade localizada a 160 km de Belo Horizonte, local onde nasceu sua paixão pelo futebol. Reviverá hoje, às 18h30min, contra o Cruzeiro, uma rivalidade que respirou nos últimos 10 anos, quando vestia a camisa do Atlético-MG.
Com oito gols na temporada, o defensor tricolor recebeu a reportagem de Zero Hora em seu apartamento, na Zona leste da Capital, e contou sua trajetória até o sucesso no clube gaúcho.
Werley Ananias da Silva, 24 anos e 1m84cm, surgiu para o futebol na metade alvinegra de Minas Gerais. Mas foi em Oliveira, aos nove anos, que ele teve o primeiro contato com bola: na escolinha do Social Futebol Clube.
- Meu pai (Wanderci, 48) me deu a primeira chuteira e disse que ia me colocar no Social. Comecei como volante, mas o treinador Antônio Laranja disse que eu era zagueiro. Então acabei me fixando ali - lembra.
Sua paixão pela bola é tanta que nunca pensou em ter outra profissão. Curiosamente, o desejo de se tornar jogador de futebol surgiu ao assistir a uma partida dos juniores do rival Cruzeiro, em sua cidade natal:
- Aquele jogo parou Oliveira, o estádio estava lotado. Coisa mais linda! A partir dali, decidi que seria jogador.
Até os 13 anos, Werley seguiu no Social. Quando completou 14, um conhecido de seu pai conseguiu encaixá-lo em uma seletiva no Atlético-MG. O dia 2 de outubro de 2002 ficou marcado por uma história curiosa.
- Tinha um Wesley também fazendo o teste. Depois dos treinos, o supervisor falava o resultado. Ele me chamou e disse "Você está liberado, mais para frente tenta outra vez" - recorda.
A sala ficou pequena para a tristeza que tomou conta de Werley. Chorando muito ao deixar o local, subiu uma longa escada até a saída. Mas, para sua surpresa, foi chamado novamente:
- Me falaram: "Desculpe, você vai ficar. Quem está liberado é o Wesley". Não precisava dessa emoção toda, né?
Para jogar no Atlético, Werley deixou Oliveira. O filho da dona Luciana, 42, ficou por três meses na casa de uma tia em Belo Horizonte e depois foi morar no clube. Sozinho, sentia saudade da família:
- Meu pai fez de tudo para que eu pudesse treinar. Me dava dinheiro e trabalhava dobrado para que eu conseguisse pegar o ônibus e fazer um lanche depois do treino.
Nas categorias de base do Galo, cresceu com o apoio de treinadores como Enderson Moreira, hoje no Goiás, e Marcelo Oliveira, atualmente no Vasco. Sua trajetória foi coroada com três títulos internacionais como capitão do time de juniores.
Em 2008, venceu os torneios de Gradisca, na Itália, de Terborg, na Holanda, e de Ennepetal, na Alemanha. Naquele ano, acabou emprestado para América e Boa Vista, ambos do Rio de Janeiro.
Voltou para o Atlético, no ano seguinte, e foi lançado no time profissional por Émerson Leão contra o Cruzeiro, no Campeonato Mineiro.
- Sonhava estrear em um clássico. Mesmo com a derrota por 2 a 1, foi uma experiência maravilhosa. Entrei de lateral-direito e fiquei no time.
Após ser lançado por Leão em 2009, Werley teve a oportunidade de trabalhar com Vanderlei Luxemburgo em 2010. Naquela época, ele mal sabia que o encontro com o treinador mudaria sua vida.
A influência de Luxa na carreira de Werley
- Vocês dois aí, vão querer jogar comigo? - disse Luxemburgo a Werley e ao meia Renan Oliveira durante um treino na pré-temporada do Atlético-MG, no começo de 2010.
- Com certeza - disse o zagueiro.
- Então vocês vão ter que cavocar minhoca em barro duro e achar uma para pescar - desafiou o treinador.
Foi este o primeiro diálogo trocado entre Werley e Vanderlei Luxemburgo. O trabalho junto ao técnico no Atlético-MG foi fundamental para o defensor:
- Amadureci muito como jogador e como pessoa com o Vanderlei. Depois que ele saiu do Atlético, eu tinha o sonho de trabalhar com ele novamente.
A chance veio no começo deste ano. No final de fevereiro, quando o zagueiro tomou conhecimento do interesse do Grêmio, aceitou a transferência por empréstimo na hora.
No primeiro dia no Olímpico, Werley foi recepcionado por Kleber, antigo rival nos clássicos contra o Cruzeiro. Apresentado no começo de março, logo conquistou a torcida com a raça demonstrada dentro de campo.
Com a mesma rapidez, cativou a diretoria, que acertou a compra de 50% dos direitos econômicos e a permanência em definitivo do defensor. A negociação envolveu o goleiro Victor.
- Foi uma emoção muito grande quando soube que ficaria aqui. Chorei mesmo. Ficar no Grêmio era o que eu mais queria.
Um dos motivos para o sucesso no Olímpico foi a parceria na zaga com o também mineiro Gilberto Silva.
- Ele me orienta bastante dentro e fora de campo. É um cara sensacional. Temos de procurar aprender com ele. É uma coisa que vai ficar marcada na minha carreira, jogar ao lado de um pentacampeão - comenta.
Além da segurança na defesa, Werley se garante na frente. Com oito gols nesta temporada, só marcou menos que os atacantes Marcelo Moreno (19), Kleber (14) e André Lima (10). Cinco gols foram de jogadas de bola parada.
- O Roger (Machado, auxiliar técnico) faz um trabalho muito bom com a gente. Tanto ofensivo quanto defensivo. O Vanderlei também trabalha muito isso. E temos que aproveitar os grandes batedores que temos. O Elano, o Marquinhos, o Edilson, o Zé Roberto, o Fernando - elogia.
Werley também se diz plenamente adaptado a Porto Alegre. Caseiro, ainda não teve oportunidade de conhecer os principais pontos turísticos da Capital. Acompanhado da esposa Renata, 23 anos, gosta de ir ao cinema, ao shopping e à igreja nos momentos de folga. Na gastronomia, se diz fã da culinária gaudéria.
- O churrasco aqui é diferenciado, eu gosto muito. O chimarrão ainda não me acostumei. Mas, aos poucos, vou acostumar - brinca.
Confira o vídeo "Cinco perguntas para Werley"
Confira outros trechos da entrevista de Werley:
Zero Hora - Tu te inspiras na história de algum jogador?
Werley - Antes de jogar futebol, eu gostava muito do Ronaldinho (Nazário). Sempre acompanhava os jogos dele pela televisão. Mas depois que eu comecei a jogar, vi que eu não tinha nada a ver com o perfil dele, um atacante. Mas tinha um zagueiro do Atlético, o Caçapa (Cláudio). Meus avós e tios são todos atleticanos. Antes de entrar no clube, eu acompanhava muitos jogos. O time vivia um momento maravilhoso entre 1999 e 2001. Foi vice-campeão brasileiro, disputou Libertadores. Eu gostava muito do Caçapa, das histórias que eu vi sobre ele, a dificuldade que ele teve até chegar no Atlético. Eu acompanhava muito. Eu comecei a jogar de zagueiro no Social e procurava me inspirar nele.
ZH - Como foi teu primeiro jogo como profissional no Atlético-MG?
Werley - Sempre falava para meus amigos que eu queria estrear em um clássico contra o Cruzeiro. Acho que a palavra da gente tem força: o que a gente pensa e fala pode acontecer. Eu comecei logo num clássico. Foi o professor Leão que me colocou em 2009. Atlético x Cruzeiro, primeira fase do Campeonato Mineiro. Iniciei no banco de reservas e o Welton Felipe foi expulso. Estávamos com três zagueiros. No segundo tempo, a gente perdendo por 2 a 0, fui aquecer. Um Mineirão lotado. Pensei "chegou a hora". Mas eu estava preparado, eu sonhava com aquilo de estrear em um clássico. Eu entrei, estava 2 a 1 e tive a oportunidade de empatar o jogo, mas errei o gol. De qualquer jeito, foi uma experiência maravilhosa. Entrei de lateral-direito. E ele me manteve depois desse jogo. Me firmei como titular e joguei o campeonato todo na lateral. Um jogo que eu nunca vou esquecer.
ZH - E essa rivalidade com o Cruzeiro?
Werley - Sempre foi muito forte. Na base, a final do estadual geralmente era Atlético x Cruzeiro. Parecido com aqui, mas aqui é mais forte. O pessoal vive muito mais o Gre-Nal. Lá, sempre quando tinha um clássico na categoria de base, a cobrança era muito grande. Graças à Deus, sempre me dei bem. Acredito que mais venci do que perdi. Eram jogos complicados, porque o Cruzeiro revelou grandes jogadores. Mas a gente também tinha um grande time, onde outros jogadores também conseguiram vencer. Eram jogos muito difíceis, com grande rivalidade. Isso é importante viver na categoria de base para amadurecer e chegar mais preparado ao profissional.
ZH - Como foi jogar contra o Galo pela primeira vez?
Werley - Não fui muito xingado não. (risos) Pensei que ia ser muito xingado. Mas fui muito respeitado. Minha carreira no Atlético não foi uma tragédia. Quando cheguei aqui (em Porto Alegre), parece que eu não podia sair na rua em Belo Horizonte. Não era isso. Tive dificuldade em 10 jogos no Brasileirão 2010. A minha relação com a torcida não foi ruim. Tive momentos bons no Atlético. Mas para esse jogo eu fiquei muito ansioso. Ia jogar contra meus amigos, pessoas como o Serginho, que eu conhecia há 10 anos, desde a base. Um amigo de ir na casa dele. Foi a primeira torcida que eu tive contato. Mas o jogo era importante para o Grêmio. Queria vencer, até para ultrapassar o Atlético. O carinho que estou recebendo do torcedor aqui no Sul está sendo maravilhoso. Mas quando entrei em campo passou, né. A ansiedade passou, pude fazer um grande jogo. Por detalhes não ganhamos a partida. Foi uma experiência boa de jogar contra meu ex-clube. Queria ter ganhado, mas não vai faltar oportunidade.
ZH - De onde tu tira tanta força para jogar mesmo com dores?
Werley - Na vida, temos que ter superação. Muitas vezes, joguei com muita dor. Pela confiança que o Vanderlei e a diretoria têm em mim, eu não posso ficar de fora do jogo por uma dorzinha. Eu quero retribuir essa confiança, essa oportunidade, dentro de campo. Tomo injeção e a dor vai embora. Eu sou assim, guerreiro mesmo. Se tiver que passar por cima da dor, vou passar. Independente se for decisão ou não.
ZH - Fizeste oito gols neste ano. Qual é o segredo para alcançar essa marca?
Werley - Gosto de treinar muito. Sempre treinei essa bola parada. O Roger faz um trabalho muito bom com a gente. Tanto ofensivo, quanto defensivo. O Vanderlei também trabalha muito isso, a bola parada com o time. E temos que aproveitar os grandes batedores que nós temos. O Elano, o Marquinhos, o Edilson, o Zé Roberto, o Fernando. Na base, fazia muitos gols de cabeça. Aí cheguei no profissional do Atlético e quando tinha oportunidade o goleiro pegava, a bola batia na trave. Aqui, felizmente, a bola está entrando.
ZH - Qual é o clima no vestiário do Grêmio?
Werley - É um grupo muito bom. Não tem vaidade, são pessoas humildes. O Vanderlei dá uma liberdade muito grande. Todos estão com o mesmo pensamento. A entrega dentro de campo é grande. Tem alguns resultados que não acontecem. Mas não é por falta de qualidade. É pelo trabalho dos adversários. No Brasileiro, nosso objetivo é ir em busca dos 37 pontos. Mesma pontuação do primeiro turno. Na Sul-Americana, vamos atrás do título, que é nosso objetivo. É uma competição muito difícil. A equipe está jogando bem, preparada. Faltam dois meses para terminar o ano. Agora é a hora da superação, da arrancada. Faltam 11 rodadas no Brasileiro. Na Sul-Americana, abrimos uma vantagem importante. Mas não tem nada definido ainda. Vamos trabalhar com o intuito de comemorar um título com a torcida no final do ano.
ZH - E a emoção de participar da despedida do Olímpico no fim do ano?
Werley - Eu fico muito feliz por isso. Esse ano é muito importante para o Grêmio, um clube com uma história muito bonita no futebol. O Olímpico é um palco de vários títulos que o Grêmio conquistou. A gente tem a oportunidade de fechar o ano com um título. Encerrar com chave de ouro. Estar em um clube como o Grêmio, com uma torcida brilhante. Agora vai começar uma nova etapa que é a Arena. Temos que fazer de tudo para estar na Libertadores no ano que vem. Nesse ano, vamos tentar conquistar um título. Jogadores só ficam marcados nos clubes conquistando títulos. Aqui a gente vê o valor que se dá aos jogadores que já conquistaram algo. Então, busco isso todo o dia. Conquistar um título para ficar marcado na história do Grêmio.