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Até a primeira quinzena de fevereiro, quando o livro será lançado, reinará grande expectativa na Província de São Pedro. Trata-se da biografia de um homem amado por milhões de pessoas, especialmente entre a torcida do Grêmio. Há os que não concordam com seus métodos, mas o respeitam pelo rosário impressionante de conquistas ao longo de 84 anos de vida. Talvez esta parte, a dos que o respeitam tão somente, seja a maior de todas, pois envolve o país inteiro, a partir do Clube dos 13, uma realização história e única no futebol brasileiro.
E há, claro, os seus adversários. Estes não gostam dele nem um pouco. Dois episódios recentes impediram eventuais reconciliações: as questões da Arena e a eleição que o reconduziu pela terceira vez à presidência, após quase duas décadas de afastamento. O que é normal, tanto em relação a Koff quanto aos seus críticos. Unanimidade política é um artigo que nunca existiu nas relações do Rio Grande do Sul em qualquer instância.
Uma sessão de autógrafos será na Arena. A outra, que promete causar mais impacto, será nas ruínas do velho casarão. Isso mesmo: a biografia de Fábio Koff terá uma nostálgica e emblemática aparição no Estádio Olímpico. Talvez onde era a Grêmio Mania, com tapumes em volta. Não se sabe ainda. Assim como não se sabe o nome do obra assinada pelo premiado professor, escritor e editor Paulo Flávio Ledur e seu filho, o repórter da RBS TV, Paulo Ledur. Koff assinará com eles as 300 páginas, que têm trechos escritos na primeira pessoa pelo próprio ex-presidente. O livro sai pela editora gaúcha AGE.
Há depoimentos de grandes amigos, como Fernando Carvalho, Francisco Novelleto e Roger Machado. O de Felipão está por chegar, lá da China. O conteúdo da biografia, com dezenas de fotos de arquivo pessoal e do Memorial do Grêmio, é um segredo guardado a sete chaves para criar um compreensível suspense. Descobri alguns. Um deles só levantei o começo e o meio, sem o desfecho. Na Libertadores de 1983, depois da Batalha de La Plata contra o Estudiantes, empate em 3 a 3, o Grêmio precisava que os argentinos não vencessem o America, em Cali, na última rodada do triangular final. Se desse Estudiantes, adiós.
Ansioso, Koff não aceitava ficar de braços cruzados. Então decidiu arrecadar US$ 18 mil entre conselheiros e voou para a Colômbia. Encontrou-se com a direção do America, decidido a presentear-lhes com um incentivo para os jogadores, mas durante a conversa teve medo. Uma dúvida o inundou: espalhar ou não o dinheiro sobre a mesa de jantar? E se eles encarassem como afronta, deselegância, ofensa? Por outro lado, tinha vindo de tão longe para nada?
Eu avisei que faltava o fim da história.
Mas há outras, como quando Paulo Nunes condicionou sua permanência, em 1995, a um incrível reajuste: queria passar de R$ 14 mil para R$ 18 mil. Hoje parece piada, mas há 20 anos Koff negou-lhe o aumento. Não tinha como pagar nem mais um centavo. Eram outros tempos.
E Jardel? Certa vez, depois do enésimo gol salvador de cabeça, deu-lhe um abraço e disse:
- Tu és o pior melhor jogador que eu já contratei.
Koff se detém em todos os personagens de 1995. Menciona a cumplicidade com Luiz Carlos Silveira Martins, a quem se esparrama em elogios. Cacalo era, segundo Koff, sua ligação direta com o coração do torcedor. Ele, Koff, presidente, segurava. Cacalo, vice de futebol, soltava. Um não vivia sem o outro, e foi essa simbiose que garantiu um vestiário fechado em tudo, sob o comando diário de Felipão. Os três eram mosqueteiros. Chegavam a combinar conversas emocionais com os jogadores, que não raro encerravam com Danrlei, Dinho e Cia pilhados ao ponto de atropelar o exército alemão se fosse o caso.
Às vésperas do embarque do Inter para Mundial, em 2006, Koff convidou Fernando Carvalho e esposa para um jantar em sua casa. Yvonne, mulher de Koff, preparou uma gentileza de boa viagem, recebendo o casal em trajes japoneses. Carvalho garante que, sem os conselhos de Koff, teria surfado na onda da ideia de entrar na Justiça Comum contra os jogos remarcados que tiraram o Brasileirão do Beira-Rio, em 2005.
O ex-presidente gremista intermediou um encontro de Carvalho com Luiz Zveiter, então presidente do STJD, reaproximando as partes e evitando um confronto desastroso para o Inter. O exercício da ponderação, do recuo, de pensar mais uma vez antes de tomar a decisão: Carvalho ressalta este como o grande ensinamento de uma amizade impermeável a grenalizações.
E tem Roger. No período de Luxemburgo, encontrou o ex-lateral no Parcão. Convidou-o para ser gerente de futebol. Roger rebateu: "Mas eu quero ser técnico, presidente". Koff meditou. Queria Roger dentro do Grêmio de qualquer jeito. Daí a ideia de levá-lo como auxiliar. O resto da história, conhecemos todos.
O câncer na garganta causado pelo cigarro, nos anos 80. Os 100 dias de internação entre a vida e a morte, com vitória maiúscula da vida nos acréscimos, de virada, no ano passado. Tudo está no livro. Assim como os elogios rasgados à Rede Globo, ao contrário do que muitos poderiam imaginar. Relata que a emissora nunca o traiu, descumpriu promessas ou roeu acordos enquanto ele comandou o Clube dos 13. As negociações individuais com os times pelos direitos de transmissão nada têm a ver com o fim da entidade, em sua ótica. Ali era a Globo buscando o que era melhor para ela no momento, assim como ele fazia no comando da entidade.
E tem a parte mais sensível da biografia, que é a do contrato da Arena, ainda motivo de debates de altíssima voltagem no Grêmio. O tom será crítico, disso não resta dúvida. Mas qual a intensidade da crítica? O que de fato vale a pena contar e revelar? O que não vale? Koff ainda não decidiu. Sabe das consequências do que escrever, por tudo o que ele representa. Só por isso o livro não está pronto, na verdade. Haverá bastidores inéditos das negociações com a OAS, especialmente os que ocorreram após a retumbante entrevista à ZH.
Lembro bem, pois participei dela, no Olímpico. Koff afirmou com todas as letras que a Arena não era do Grêmio. E, pior, que podia quebrar o clube se o contrato não fosse revisado. Foi uma bomba. Houve pressões de todos os lados desde então, até o cenário de hoje, à espera da compra da gestão do estádio. É com eu disse lá começo: reinará grande expectativa na Província de São Pedro até chegar às livrarias a biografia de Fábio André Koff, um homem que se confunde com a própria história do Grêmio.
* ZH Esportes