
Não foi o Grêmio que revelou Renato ao mundo, mas Renato que revelou o Grêmio ao mundo. De seus pés, de seus dribles, de seus chutes, até de suas cãibras, nasceram os gols que deram o argumento definitivo para os gremistas em qualquer discussão de mesa de bar ou recreio de colégio durante duas décadas – 23 anos, para ser exato. Não adiantava os colorados virem com aquele papinho xarope: fosse ou não fosse um título reconhecido pela Fifa, morava na Azenha o único time gaúcho campeão do mundo.
Em 1983, antes de fazer as duas pinturas na vitória sobre o Hamburgo, em Tóquio, Renato já havia desenhado uma rota alternativa para o Grêmio conquistar a América. Sua embaixadinha na ponta-direita virou um balão para a área do Peñarol e se transformou em um cruzamento certeiro quando a bola encontrou a cabeça de Cesar. "O nosso time tem garra, irmão, e a Libertadores é nooossa", cantávamos naqueles tempos de glória. Com a camisa 7 tricolor, ele ainda ganharia os Gauchões de 1985 e 1986 antes de partir para o Flamengo.
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Desde então, Renato passou a ser nosso salvador da pátria por excelência. Sempre que a coisa ficava feia, dava-se um jeito de buscá-lo. Mas ele nunca mais foi campeão pelo Grêmio.
Após o rebaixamento no Brasileirão de 1991, o Grêmio o trouxe por empréstimo do Botafogo para o Gauchão. O atacante nem terminou seu último jogo vestindo o manto tricolor: brigou com o colorado Alex Rossi e recebeu cartão vermelho aos 25 minutos do segundo tempo no terceiro e último Gre-Nal das finais, que valeu a taça para o Inter.
Quase 20 anos depois, ele retornou como treinador. Em agosto de 2010, substituiu Silas e fez o time de Victor, Gabriel, Paulão, Fábio Rochemback, Lúcio, Douglas, Jonas e André Lima pular do Z-4 para o G-4. Só que, em 2011, seus planos foram sabotados: Ronaldinho não veio (no célebre caso das caixas de som), e o goleador Jonas foi embora. A Libertadores acabou nas oitavas. No Gauchão, Renato ganhou o primeiro Gre-Nal da decisão, 3 a 2 no Beira-Rio, mas o Inter de Falcão devolveu o placar no Olímpico e levou o título nos pênaltis (ironia: a última volta olímpica no velho estádio da Azenha acabou sendo colorada), provocando as lágrimas de Renato:
– Prometi que não ia chorar... É lógico que o sentimento do torcedor é o meu sentimento. Não é só por eu ser gremista, é porque o grupo merecia. Preparei o grupo para ser campeão.
O pedido de demissão não tardaria – ocorreu na sétima rodada do Nacional. Também não demorou para que o Grêmio voltasse a viver uma crise e voltasse a recorrer ao ídolo. Em julho de 2013, ele foi chamado para suceder o fracassado projeto de Vanderlei Luxemburgo.
Com Dida, Werley, Riveros, Souza, Elano, Zé Roberto e Barcos, Renato foi vice-campeão brasileiro. Na hora de renovar o contrato, a direção do clube não quis bancar a pedida salarial. O resto da história vocês lembram: começa com Enderson Moreira, inclui uma virada e uma goleada do Inter nas finais do Gauchão e termina com a ilusão do Gre-Nal de Alan Ruiz e uma grande desilusão: a vaga na Libertadores, que parecia sólida, esfarelou-se nas quatro últimas rodadas do Brasileirão.
Agora em 2016, a coisa nem estava tão feia quando Renato foi convocado para o lugar de Roger. O que amedrontava, mesmo, era o passado, os 15 anos sem títulos importantes (a Batalha dos Aflitos não conta porque ela transcende o futebol). E sua estreia não foi, assim, promissora – o filme de terror daquela partida contra o Atlético-PR na Arena, com a dramática classificação nos pênaltis depois da derrota por 1 a 0 no tempo normal. Mas Renato encaixou o time, corrigiu falhas da defesa no jogo aéreo, imprimiu objetividade ao excepcional toque de bola que Roger deixara de herança e contaminou o vestiário com seu ímpeto de vencedor.
"O penta virá, e também o quinto título de Renato pelo Grêmio"
Por falar em vencer, a verdade é que também Renato persegue um título. Seu currículo como técnico tem apenas uma conquista (a Copa do Brasil de 2007, pelo Fluminense, erguida em Florianópolis, contra o Figueirense) e um punhado de vices: aos dois obtidos com o Grêmio, somam-se a Copa do Brasil de 2006, pelo Vasco (batido pelo Flamengo em clássico carioca), e a Libertadores de 2008, pelo Fluminense (em outra derrota nos pênaltis e em casa, no Maracanã, para a LDU). Olhem só: a verdade é que também Renato quer ser campeão diante de sua torcida.
Hoje à noite na Arena, há de se fazer a justiça poética. A virtude será premiada, e o vício de perder, condenado ao esquecimento. Nesta decisão de Copa do Brasil contra o Atlético-MG, o amor de Renato pelo Grêmio e o nosso amor por Renato hão de ser recompensados. O penta virá, e também o quinto título de Renato pelo clube.
Quis assim o espírito de Lara: cabe ao iluminado que nos deu o mundo a honra de nos devolver ao mundo da luz. Nunca estivemos apagados de fato, mas nosso facho azul, branco e preto tremelicava demais – o longo período sem troféus traumatizou torcedores, minou treinadores e pressionou jogadores. Na ponta-direita da história, tendo diante de si dois marcadores implacáveis – a urgência pelo sucesso e o peso de decidir em casa –, Renato, com uma embaixadinha e um balão para a área, espantará a maldição. Como um messias, vai nos libertar do jugo do ceticismo e nos presentear com a confiança. Estaremos livres para comemorar, livres para sonhar. A Terra é azul, e o universo é infinito.
*ZHESPORTES