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Neste janeiro de 2017, Renato Portaluppi é sinônimo de confiança. Em uma conversa de 40 minutos no CT Luiz Carvalho, o homem que tirou o Grêmio de 15 anos de uma espera por um título importante mostrou a Zero Hora que está mais à vontade do que nunca na casa tricolor. Com razão. O herói da América e do Mundial em 1983 agora também assina uma Copa do Brasil como treinador campeão.
Na entrevista, incensa o seu grupo, acredita que a direção ainda vai dar "um ou dois tiros" em reforços e distribui elogios ao supremo comandante do time: ele.
Assim é Renato Portaluppi, um homem que, a cada vitória, aumenta o número de páginas com o seu nome na história do Grêmio.
Qual a sua meta para 2017?
Temos cinco campeonatos para disputar. Vamos buscar títulos. É difícil. Mas a meta de todo treinador é ser campeão. Qual o título mais importante? Todos. Vamos trabalhar o grupo para que possamos dar, no mínimo, mais uma volta olímpica em 2017.
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Qual foi o diferencial no trabalho de 2016 que culminou com a Copa do Brasil?
Falava isso no ano passado e vou repetir: meu grupo é muito bom. Na base de treinamentos, corrigimos coisas erradas. Conversava com o grupo, tive muitas preleções sobre a forma que queria que as coisas acontecessem, a maneira como eles deveriam se comportar dentro e fora de campo. Dei liberdade para que falassem, o que gostavam ou não. Gosto de conversar e de trocar ideias com o grupo. A palavra final é minha, mas preciso sentir o que eles pensam também. Achamos o esquema tático certo, os jogadores se adaptaram. Acima de tudo, há a confiança que eu passei para eles. Isso é fundamental. Encontrei jogadores desacreditados, alguns com total falta de confiança.
Falamos do Renato motivador. E a sua parte tática?
Acho que não aparece tanto.O mais importante é que apareça para o grupo. Se vocês virem os trabalhos por onde passei, vão perceber. Eu peguei, de novo, um time desacreditado e cabisbaixo.
O rótulo de motivador não te incomoda como técnico?
O resultado está aí. Não vou ficar todos os dias falando bonito e tentando explicar o meu trabalho. Meu trabalho é resultado, é isso que aparece. Eu entendo demais da parte tática. Motivar um grupo não é fácil, é uma grande qualidade que o treinador tem ou não. Não adianta dar a parte tática mastigadinha para os jogadores, treinar o que quiser, se você não motivar o jogador, passar confiança para ele e ter eles com você. Costumo falar que o vestiário é um controle de TV. E ele está na minha mão o tempo todo.
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Qual técnico que mais te serviu como exemplo para a parte tática e a parte motivacional?
A parte motivacional veio de berço. Ou você é um líder ou não. Com toda humildade, sempre fui um líder. Fiz besteiras no começo da carreira, mas, com o tempo, fui capitão na maioria dos clubes onde passei. Um técnico não definiria um capitão por ser bonito ou feio, alto ou baixo. O líder precisa saber conduzir o grupo. Ser capitão dentro de campo, sabendo motivar e liderar. Eu sei isso de sobra. Sei como conversar, colocar a pessoa para cima e resolver os problemas. Trabalhei com os melhores treinadores do Brasil. Procuramos ver as coisas erradas e as coisas certas. No final, fazemos uma salada de fruta, tira o lado bom de cada um e deixa o lado ruim de lado. Tenho minha própria maneira de trabalhar. Eu tenho uma coisa dentro de mim: enxergo muito o jogo. Muito. Por isso que você vê minhas substituições, e eu dificilmente erro uma. Não quer dizer que não vá errar ou não tenha errado. Mas, no conjunto, a porcentagem é mínima. Isso quer dizer o quê? Que você vê o jogo. Por isso, eu grito na beira do campo, chamo um jogador e faço um gesto, e ele entende. Treino isso durante a semana.
Mas isso veio da vivência no futebol ou de estudo?
Da vivência. Vejo tudo que é jogo. Acompanho da Champions até a Copinha. Mas eu vejo, enfim, da minha forma. Adoro meu jeito de trabalhar, meus esquemas táticos e minhas substituições. A maior prova disso foi em um jogo decisivo no Mineirão, após o Pedro Rocha ser expulso. Qual seria a opção de 98% dos treinadores? Tirar um atacante e fechar o time para tentar segurar o resultado de 2 a 1. Pensei: se fizer isso, serei massacrado e não terei mais forças para chegar ao gol adversário. Pensei em ter uma escapada, seria difícil, mas teria uma chance. Tirei o Douglas e coloquei o Everton. Qualquer outro colocaria um cabeça de área. Apesar de ter poucos segundos, pensei nisso. E nisso, fizemos o gol do título.
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De onde você traz essa visão de futebol?
Da minha cabeça, de ver jogos e do que aprendi com outros técnicos. Sou muito corajoso, gosto de desafios. Não vou fazer sempre o beabá. Não quero fazer o que todo mundo faz, apesar de respeitar. Mas eu vou pela minha cabeça. Tem gente que enxerga só um palmo em frente ao nariz, não enxerga nada ou vê uns cem metros à frente. Eu, na minha concepção, enxergo um quilômetro lá na frente. Nas minhas mexidas, estou pensando lá na frente. Não só naquele momento. Penso o que pode acontecer uns 20 minutos depois. Eu falo o que vou fazer para o meu grupo, e acontece. Eles dizem: pô, Renato, você nos avisou. Pedi para o JP mandar um torpedo para o Geromel. Estava de férias, mas meus amigos falaram de uma entrevista que ele deu. Liguei para o assessor de imprensa pedindo para ele dar parabéns, me enchi de orgulho. Ele disse que fomos campeões porque o Renato chegou, que foi um dos melhores trabalhos da vida dele.
E a polêmica do estudo na Europa?
Muita gente interpretou o que eu falei após o título de uma outra maneira. Disse que treinador que sabe não precisa ir à Europa. Tem gente que falou: "Ah, o Renato não quer que as pessoas estudem". Ou a pessoa é burra ou ignorante de achar que não precisa ir para o colégio. Se a pessoa é maldosa de distorcer o que falei ou se ela é burra ou ignorante, não tenho o que fazer. Em relação a estudar na Europa, todo dia aprendo algo. Mas o que eu quis dizer é o seguinte: não preciso ir à Europa. Se alguém foi até lá e voltou com alguma coisa diferente, eu poderia pensar em ir. Mas pergunto: não tenho nada contra, mas quem foi lá e voltou com algo novo? O cara vai lá e fica uma semana, faz foto com fulano, sicrano e beltrano. O cara vai para lá, fica uma semana, bate fotos e volta um gênio?
Mas foi uma brincadeira ou..
Eu só queria perguntar se alguém foi para a Europa e voltou com alguma coisa diferente? Tem muita gente que fala que o treinador precisa ir estudar lá. Sim, tem que ir. Eu queria estar em um programa desses para perguntar: estudar o quê? O que ele aprendeu lá e voltou diferente? É a mesma coisa de eu falar, talvez muita gente vá se ofender, que tem muito comentarista que precisa fazer um curso na Europa. Eu queria ouvir a opinião dos comentaristas. Será que vão se sentir ofendidos? Se o treinador precisa ir, por que os comentaristas não precisam? Vão se ofender por isso? Tem que trazer alguma coisa diferente ou dar resultado. É muito fácil ver o Real Madrid, o Barcelona, o Manchester City e o Chelsea, olha que futebol bonito. Coloca o Stevie Wonder para treinar esses times aí. Vê se não vão jogar bonito? É fácil chegar em um grande clube desses – o presidente dá todos os jogadores pedidos e se monta uma seleção. Aí tem que jogar bonito. Pega esses treinadores, coloca em clubes médios e cobra resultados. Não tem como pedir reforços, talvez um ou dois. Aí vamos ver se os caras são bons ou não. Todos eles são grandes treinadores, mas não precisariam ser. São seleções em campo, com futebol bonito. É fácil elogiar esses caras. Os caras são bons e têm uma seleção na mão. Por isso que falam que os brasileiros precisam ir à Europa estudar.
Mas além de resultado e desempenho, você não vê as ideias que eles tentam inovar?
Eu vejo. Mas muitas vezes fazem algo diferente porque eles têm material humano. Têm o cara para fazer o papel. Muitas vezes, no Brasil, temos uma ideia, mas olhamos para ao grupo e vemos que ele não tem condições de fazer. Lá fora, tem jogador recebendo R$ 2 milhões por mês que fica no banco e não abre a boca. Ele vê que o técnico decidiu por outro esquema com um jogador muito bom também. Aí fica fácil. Vem fazer um estágio aqui no Brasil. Esse vai ser o time e o grupo, e cobra resultado. O Guardiola, que é um grande treinador, está no Manchester City. No último jogo, ele tomou quatro, tem levado umas porradas. Você vai falar que ele é ruim? Não. Mas o time atual foi ele que montou. O cara que é bom e tem um bom time está sujeito a tomar porrada. Imagina quem não tem essa seleção nas mãos. Agora, você quer falar de futebol? Pega 10 colegas teus em um programa ao vivo, me convida, e vamos falar de futebol, vamos falar de tática.
Como você vê o trabalho da imprensa, então?
Estava conversando com o Zico, falamos muito. Quando algum técnico fala para o jornalista, alguns se ofendem. Não precisa. É a mesma coisa com os treinadores, precisa ver se a crítica é correta ou não. Quando é construtiva, bato palmas. Quando o cara quer me perseguir é outra história. O cara chega no dia dia do jogo e diz que o Renato não deveria ter feito alguma coisa. Mas pergunto: qual comentarista sabe se o jogador está machucado, se não treinou ou passou mal. Mas vai lá e critica. Aí na entrevista coletiva o técnico explica, mas já levou porrada durante o jogo. Comentarista precisa deixar de pegar o jornal, chegar aqui no dia do jogo e achar que está tudo errado. Por que não vem durante a semana e vê um treino? Aí pode chegar no domingo e até fortalecer sua ideia ou explicar por que alguém não jogou. Vai estar por dentro do assunto. Mas é fácil chegar na cabine, no ar condicionado e da cabeça dele achar que eu não deveria ter feito alguma coisa. Tem todo o direito de criticar, mas não sair na frente sem saber o porquê do treinador ter feito algo. Se ele for bom, vai procurar saber a razão. É fácil dar pau no técnico e no jogador.
Pretende manter a estrutura do time do ano passado ou pensa em outra ideia?
Não temos tanto tempo. Estou treinando este time por mérito, por ter sido campeão. Na semana que vem, já será um outro esquema de jogo, talvez com outros jogadores. Não posso ficar só no plano A. Preciso ter um B. Talvez, durante uma partida, queira mexer na estrutura do esquema, e os jogadores vão saber por termos treinado. Não posso ficar só com 11. Às vezes, posso mudar um jogador e manter o esquema.
Qual sua avaliação sobre Bolaños? Ele poderá suprir a lacuna de um grande reforço?
Pedi para o Espinosa conversar com ele quando chegamos. Ele estava machucado. Neste tempo que ele estava no DM, acertamos o time. Mas procurava ver o Bolaños treinando, colocava-o nos jogos. Falei para o Espinosa conversar novamente com ele para saber como ele gostava de jogar. Ele falou que queria ficar na função do Douglas, como um segundo atacante vindo de trás, por não saber jogar de costas ou pelos lados. Coloquei-o nesta função em uns quatro ou cinco jogos. Mas o que acontecia? Ele se metia muito entre os zagueiros. Falei que ele não sabia jogar ali, para ele vir sempre de trás. É um jogador de muita técnica, não erra passes e que sabe fazer gols. Quero colocar na cabeça dele que não pode se meter na frente, jogando entre os zagueiros como se fosse um atacante de área que ele não sabe ser. Outra coisa que vou fazer: cobrar mais competitividade. Vi uns jogos dele na seleção, não sei se ele tem cobrança lá ou não, mas precisa ser competitivo igual os outros. Voltar para marcar, brigar pela posse de bola e fechar os espaços. Não quero que ele jogue da forma como faz na seleção. Muitas vezes só veem as coisas boas, e eu preciso ver as ruins também para corrigir o jogador. Precisa executar outras funções também.
Mesma coisa com o jovem Lincoln?
Também. O Lincoln, desde quando cheguei aqui, estamos tentando corrigi-lo. Ele vai descer pra base para jogar, não pode ficar queimando etapas. Não adianta trazer um jogador e deixá-lo sem jogar. O tempo passa, ele precisa jogar e aprender a competir, mostrar a razão de estar no Grêmio. Quando for necessário, trago-o para atuar. Isso foi feito comigo na década de 1980. Quando cheguei aqui, todos falavam que o Lincoln precisava marcar. De repente, tinha virado um cabeça de área. Agora, quando entrei de férias, disse que ele precisava descer para jogar. É um meia que ainda não conhece a posição, recua muito para buscar a bola nos volantes. Não quero isso. Quero o Lincoln como o Douglas, jogar do meio para a frente. Tem talento, precisa fazer gol e fazer o time jogar. Estou aqui para corrigir o jogador, mas não posso ficar o dia todo corrigindo. Tenho 35 jogadores, vou lapidando cada um. Provavelmente, ele descerá para jogar, mas treinará aqui. É normal na idade dele. Vou lançá-lo aos poucos.
O que você gosta de fazer em Porto Alegre. Sobra algum tempo livre?
Não sobra. Eu gosto de jogar futevôlei, tenho amigos aqui que jogam, e nunca fui lá. É falta de tempo. Não posso ir a lugar algum. Adoro o carinho dos torcedores, mas não teria paz. Sempre chegaria alguém pedindo foto, autógrafo ou para conversar. Acabo não saindo para jantar, tomar um chopinho. Por isso que vou para o Rio na folga – lá também tem assédio, mas é mais tranquilo. Não sou contra o carinho da torcida. Minha vida aqui se resume a Grêmio, hotel e aeroporto.
Mas essa rotina não acaba sendo chata?
É chata. Gostaria de, às vezes, fazer algumas coisas diferentes. Mas vou fazer o quê? Vai ser difícil, sempre tem gente chegando. Acabo não curtindo meu próprio momento de lazer. Por isso, às vezes, levo os amigos lá para o hotel.
Mas então consegue pelo menos reunir os amigos.
Vão lá. Algumas vezes tomamos uma cerveja, para descontrair a cabeça. O máximo que vou é na piscina do hotel. E muitas vezes tenho que sair, começa a chegar gente. Outro dia, estava na piscina e começaram a chegar 20, 30 mulheres. Aí elas não sabiam se entravam na piscina para bater foto comigo ou se eu é que tinha de sair. É difícil. Fazer o quê? (risos).
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Isso é eterno, né (risos)?
Você já se considera um dos grandes técnicos da história do Grêmio?
Quais foram os maiores treinadores que passaram pelo Grêmio? Felipão ganhou tudo, é top. Espinosa ganhou Gauchão, Libertadores e Mundial. O Tite ganhou a Copa do Brasil. Por que eu não estaria? Os grandes treinadores são os que ganharam os grandes títulos. Só que eles tiveram muito mais tempo do que eu. Sou mais jovem do que eles. Claro que me considero um dos grandes técnicos do Grêmio, mas eles têm alguns anos à minha frente. E o grande treinador não é só o que ganha títulos – consegui ganhar um nacional depois de 15 anos. Mas peguei o Grêmio em 2010 quase caindo e o coloquei na Libertadores. Em 2013, cheguei e não sabiam aonde iria chegar. Fomos vice-campeões, com caras consagrados no banco sem reclamar. Aí, você vê o dedo do treinador também. Não tive nenhum problema.
Você acaba centralizando muitas coisas no Grêmio. Não fica sobrecarregado?
Eu sei, mas eu gosto. Se um setor do clube não funcionar, vai estourar no campo. E se isso acontecer, quem se dá mal sou eu. Então, dentro do clube, estou em todos os setores. Me meto em tudo porque me garanto. Troco ideias com a preparação física, com a fisioterapia e com o departamento médico. Falo diariamente com a diretoria, mas as partes tática e técnica são comigo. Muitos técnicos chegam e só pensam no campo. Tem vezes em que chego ao departamento médico e pergunto o que o cara tem. Em seguida, digo: pode mandá-lo para o campo. Não vou usar alguém machucado, mas falo para os jogadores que eles não vão me enganar.
Mas até na questão de reforços para a temporada, todos os jogadores contratados são apontados pela direção como pedidos teus.
Eu gostaria de trazer fulano e sicrano. O clube não tem condições. Precisamos de alguns para compor o grupo. E vamos dar um ou dois tiros, se o presidente achar viável ou se entrar algum dinheiro. Mas meu grupo é muito bom, os jogadores que chegaram eram necessários. Temos de ter um grupo forte e grande para várias competições. Não podemos trazer apenas craques, de nível de Seleção Brasileira, por não ter no mercado e também não ter dinheiro. Temos de dar apenas um ou dois tiros, sem desespero.
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