Luiz Zini Pires
O telefone toca quando Iarley coloca a mão na maçaneta da porta do seu apartamento em Fortaleza. São 20h de um dia de semana. Quem atende é o empresário Pedro Iarley Lima Dantas. O atacante Iarley está aposentado desde o dia 22 de agosto. Ele começou no Ferroviário, time de operários da capital, em 1993. No mesmo Ferrão, despediu-se.
- Atendi pensando que era uma encomenda - brinca.
O cearense de Quixeramobim, 40 anos, 21 deles dedicados ao futebol no Brasil, na Espanha, na Argentina e no México, campeão mundial pelo Boca Juniors (2003) e pelo Inter (2006), é dono de uma indústria de alumínio em Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza. Fabrica panelas de pressão, caçarolas, frigideiras.
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- A marca é Saturno. Compra que é boa. Espalha - pede.
Ao fundo, ouve-se a correria sem freios dos dois filhos dentro de casa. Pelos estouros, é uma bola. Quem chuta é João Pedro, nove anos e que vive com uma camisa do Inter. O mesmo que, com só três anos, gostava de testar a pontaria em Clemer no vestiário do antigo Beira-Rio na gloriosa década passada. Eu falo.
- Você é chamado de seu Pedro ou de Iarley na firma?
- Iarley, sempre Iarley. Tenho 25 funcionários. Mergulhei firme na empresa depois que deixei o futebol. Estou estudando, me dedicando. Os negócios vão bem.
O futebol deixou as pernas cansadas de Iarley, que se fartou de treinamentos, viagens, hotéis, dietas e jogos valendo tudo. O que estava na sua cabeça também sai aos poucos, despejado em doses homeopáticas no gravador de um jornalista. Sua memória ganhará um livro, ainda sem nome e sem um número de páginas definido e que será lançado possivelmente em novembro, numa grande festa no Beira-Rio.
- Tenho uma história tão legal, tão bonita, com o Inter, que eu quero deixar algo para o futuro. Preciso contar minha vida com a camisa vermelha. Foi uma fase feliz. Quero passar para futuras gerações de colorados os meus anos (2005/2008) no clube. Meu envolvimento com Clemer, Índio, Edinho, Perdigão. Ah, o Perdigão, um fenômeno, Fernandão.
Quando lembra do nome do ex-capitão, dá uma pausa, engasga. Eu respeito. Estende-se um silêncio de imensos segundos.
- Eu ainda não acredito. Não quero acreditar. Parece tudo um sonho. Que eu vou acordar e ligar para ele agora mesmo. Vou dedicar meu livro ao Fernandão, não tenho dúvidas.
Pergunto sobre o recheio da obra. Ele prefere não adiantar, mas diz que o livro contará a sua história, mas o Inter será a linha condutora de tudo.
- Ainda não sei por que, mas na minha infância, no final dos anos 1970, eu tinha um time de botão com as cores do Inter. Meus amigos jogavam com o Corinthians, com o Flamengo, Vasco, Fluminese. Eu recortava distintivos do time em revistas e colava em cima de tampas de relógios. Gritava gol de Falcão.
- Um livro só fica em pé com boas histórias. Você deve ter muitas.
- Só as relacionadas ao Mundial de Clubes da Fifa de 2006 daria um livro inteiro de centenas de páginas. Vou lembrar, por exemplo, da reunião secreta que eu, o Fernandão e o Pato tivemos com o Abel no quarto dele, antes da partida contra o Barça. Desculpe, não vou falar mais. Espera o livro. Vai sair legal. Promete.
- Quando você sentiu que era possível superar o temível Barça?
- No aquecimento. Eles pareciam não estar nem aí. Riam. O Ronaldinho só chutava uma bola. Eu olhava a cara dos meus colegas e via a vontade na face de cada um. Dava para notar antes do jogo que a vitória seria nossa.
- Aquele grupo era diferente?
- Diferente? Era especial. Havia amizade, além da qualidade de cada um. Tínhamos gana. O pessoal chegava cedo e saía tarde, todos treinavam com prazer. Havia alegria e uma união incrível. Foi um tempo espetacular.
- A sua saída, em 2008, não foi legal. Sério. Foi?
- Não guardo mágoas. Não pensava em sair. Queria ficar, jogar com toda a vontade do mundo até o final das minhas forças, depois continuar trabalhando em outro setor. Montei até um apartamento para morar muito tempo em Porto Alegre. Eu não era o problema.
- Não guarda mágoas? Mesmo?
- Não me abalo com nada. Fico chateado 10 minutos. Vou para casa e esqueço. Quando saí do Inter, peguei o carro, dirigi até Florianópolis, peguei um avião, desci em Goiânia e acertei com o Goiás. Foi o Fernandão que fez minha cabeça. Só defendi o time por causa dos conselhos dele.
- Você ainda se sente querido pelos coloradas.
- Cara, demais, demais.
- Voltaria?
- Agora?
- É.
- Não. Preciso cuidar da minha empresa. Agora não dá.
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