
Você ainda vai se surpreender com o novo Anderson. Falante, sempre foi. Sincero, também. O Anderson que voltou da Europa quase 10 anos depois de ter sido vendido pelo Grêmio ao Porto, e do Porto para o Manchester United, está maduro e sabe o que quer. Sonhava voltar a Porto Alegre. Queria ficar perto dos filhos. Cansou de passar Natal e Ano-Novo sozinho. Conta que precisava voltar a ser amado. O ostracismo dos últimos anos na Inglaterra o deixou carente de carinho. Quer virar ídolo do Inter. E foi contratado pela direção colorada para isto.
- Anderson quer muito jogar. E quer estrear logo na Libertadores também. Ele é desassombrado, tem a cara da Libertadores. Voltou a Porto Alegre para se tornar uma referência no futebol brasileiro - destaca o diretor de futebol Carlos Pellegrini.
Nesta entrevista a Zero Hora, concedida na quinta-feira, no CT Parque Gigante, minutos antes de correr para refazer a carteira de trabalho brasileira, o camisa 8 fala sobre família, saudades de casa, de como ignora as críticas da imprensa inglesa, da amizade com Cristiano Ronaldo, além de sobre conquistar títulos com o novo clube e até renovar com o Inter, que está saudável para jogar de quarta a domingo, sobre a Batalha dos Aflitos e em passar uns tempos na casa que manteve em Manchester ou na fazenda que tem, em Alegrete, "olhando o gado", quando ficar velho. Também quer reconstruir o campo do Rubem Berta, no qual começou a jogar. Entende que deve isto à comunidade. É um caso raro nos dias de hoje de jogador que fala o que pensa, sem rodeios.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Você está feliz?
Sou o mesmo cara de sempre e, sim, estou muito feliz, contente mesmo. Fazia tempo... Passei quase 10 anos fora. Minhas férias eram em maio. Aí, tinha que tirar os 30 dias. Passei oito anos sozinho, em Natal, em Ano-Novo. Liberava até a minha empregada, que era brasileira, para as festas e eu ficava sozinho. Era importante para ela ir ver a família, em Portugal, pois o marido dela era de lá. E eu passava sozinho, em hotel, ou com os jogadores do Manchester. Às vezes tinha até jogo. Foram oito anos passando o fim de ano em hotel porque na Inglaterra não para.
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Estava com saudades de Porto Alegre?
Estava, sim. Chegou um momento no qual as minhas filhas começaram a perguntar onde eu estava, porque eu não estava aqui, porque eu não as levava na escola, ou eu ouvia um "quero ficar aí contigo um pouquinho, pai". Então, era a hora de voltar. E não estava sendo muito usado no Manchester. Eu não estava mais confortável lá, precisava de um novo objetivo. Não estava mais animado, apesar de estar treinando muito bem nos últimos meses, mas não tinha a oportunidade de jogar. Falei com a minha família e com o meu empresário: "Ó, preciso jogar, não aguento mais. Não posso ficar mais um ano sem jogar". No ano passado tive lesões, fui para a Fiorentina, mas fiz poucos jogos. Mas era o momento de voltar e apareceu esta proposta do Inter.
Carlos Pellegrini entrega a camisa 8 a Anderson no dia de sua apresentação
Foto: Alexandre Lops/Divulgação
Você tem duas filhas?
Duas, não. Tenho quatro. Três meninas e um menino: Alícia e Isabela, as duas com quatro anos. Mas não são gêmeas, viu (risos)? São de mães diferentes. E a Giovana, de dois aninhos, e o Li Andow, que está com um ano. Mas não sou casado, estou na pista (risos).

Como foi a investida do Inter?
Foi com o presidente. Ele sempre falou comigo, me deu confiança, perguntou como eu estava. Conversei com os jogadores, com Paulão, com Sidnei (zagueiro ex-Inter e atualmente cedido pelo Benfica ao La Coruña). Eles elogiaram muito o clube. Perguntei como era a galera, disseram que o grupo é bom, uma galera tranquila. Aí, aceitei.
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Como você imagina que será a sua relação até mesmo com a cidade, dividida entre colorados e gremistas?
Cara, há pessoas que vão gostar. Há outras que não vão gostar. E ainda tem muita gente que vai ter que me aturar. É o meu trabalho. Como te falei, recebi proposta do Inter. O Inter me quis. Sobre o Grêmio... Bem, saí pela porta da frente do clube. Quando estava lá, o Grêmio vivia uma fase complicada em termos de dinheiro. Eu tinha 16, 17 anos e poderia ter saído livre do Grêmio (para o Porto). Mas falei para o presidente (na época, Paulo Odone): "O que é meu é meu, o que é teu é teu". Com a minha venda ele pôde manter o clube por mais dois anos. Depois, fui vendido do Porto para o Manchester e o Grêmio ganhou ainda mais dinheiro comigo. Agora estou no Inter e darei o meu máximo para sair pela porta da frente. Se sair.

Você já está adaptado ao Inter?
Estou muito feliz como tenho sido tratado. Aqui, no Inter, me senti bem de novo. Estou sendo bem tratado. Na verdade, eu precisava de amor. Jogador às vezes precisa de amor. Inter me deu isto. Não digo da boca para a fora. Todos me trataram superbem desde o primeiro dia. Isto me surpreendeu e me deixou feliz. Digo para os meus amigos: "Cara, eles estão me dando tudo aqui". Quando entrar em campo darei 100% ao Inter.
Como você está fisicamente?
Cara, estou muito bem. Ouvi que estava gordo. Não. Estou em forma. Jornalistas falam o que querem. Não posso contestar, às vezes tentam crescer em cima do jogador. Respeito. Não jogo para jornalistas, jogo para o grupo. Estou sempre alegre, não tenho vaidades e quero ajudar. Se ganha o Anderson, ganha todo mundo. E no final do dia, todos estaremos em casa comemorando.
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Você citou jornalistas. E os jornalistas ingleses? Eles te criticaram muito por lá. Por quê?
Sinceramente, não sei. Ganhei tudo ou quase tudo pelo Manchester. Renovei duas ou três vezes com ele. Se você está mal no clube, você não renova. Trabalhei lá com o melhor treinador do mundo, o senhor Alex Ferguson. Uma pessoa por quem tenho um respeito enorme. Antes de eu vir para cá ele me mandou uma mensagem: "Anderson, você é top, sabe da sua qualidade. Vai com Deus". Pode perguntar para os jogadores e para a torcida do Manchester, eles me amam. A torcida cantou a minha música no último jogo (The Anderson Song - Better Than Kleberson; A Canção de Anderson - Melhor Que Kleberson, em referência ao pentacampeão com a Seleção Brasileira e que foi mal no Old Trafford). Desde que cheguei ganhei esta música da torcida. Jornal inglês, sabe como é: Falam o que querem. Ouço e fico na minha.
Estas críticas te incendeiam mais ainda para provar algo?
Sei a qualidade que tenho, sei quem eu sou. Não preciso provar nada para ninguém. Apenas para o meu treinador, para o meu presidente e para o meu time. Jogador que não está bem, passa 10 anos na Europa e ganha tudo, o que deve responder? Ronaldinho e Kaká são caras que ganharam tudo e que merecem respeito também. Jogador não vive de contar que jogou sete anos aqui, 10 anos ali. Jogador vive de títulos. Quando encerrar a carreira, vou poder contar para os meus filhos os títulos que ganhei e com quem joguei. Joguei com os melhores do mundo.

E que bagagem esta convivência com jogadores consagrados, como Cristiano Ronaldo, Rooney, Van Persie, entre outros, pode ser levada para o vestiário do Inter?
Que estes caras trabalham. Cristiano Ronaldo trabalha 24 horas por dia, se necessário. Nunca vi ninguém trabalhar tanto como ele. Ele se controla em tudo, desde a alimentação até ter que ir para um trabalho de piscina às 22h. Se há um erro, ele vai treinar até corrigi-lo. É um amigo particular. Ele é f...
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Você também ficou assim?
Aprendi a trabalhar e a cuidar de mim. Você não se lesiona por acaso. Às vezes, tenta acelerar uma recuperação para ajudar. Joga cinco, seis partidas e arrebenta de novo. Não. Você tem que voltar quando está bem, para ajudar. Aprendi. Estou muito bem, cuido da minha alimentação. Cheguei bem e sem problema algum. Me falta jogo. É o que mais quero. Me dá cinco, seis jogos e estarei 100% de novo.
Como Aguirre pode aproveitar a sua chegada no meio-campo?
O treinador pode me usar onde deve achar que deve. Ele é o treinador. Vou dar o meu melhor. Se ele quiser me puxar um pouquinho mais trás, vou correr da mesma maneira, como se estivesse lá na frente. Eu quero é fazer gol, se eu puder. Vou jogar onde ele achar que eu deva ajudar. Se ele achar que eu tenho que ir pro gol, eu vou pro gol. Estou aqui para ajudar, como mais um jogador. O importante é onde ele acha que eu tenho que evoluir.
Sua estreia será na quarta-feira, diante do Cruzeiro, em Gravataí?
Espero estar lá na quarta. Depende da comissão técnica. Por mim, eu estaria neste (contra o São José). É esperar. Eu estou bem, me sinto bem.
Qual foi o maior problema do Inter no empate em 4 a 4 com São José, pelo Gauchão?
É complicado, foi apenas o segundo jogo. Entrou o Vitinho, que nunca havia jogado com o grupo. É o começo. Mas quando você tem um jogo que está ganhando de 3 a 0 e deixa empatar, no 4 a 4, é complicado. Ninguém gosta. Acho que, se tivesse ficado um pouco mais com a bola, jogasse mais rápido, com certeza, teria ficado com o resultado. Acho que o São José fez um belo jogo. Mas vamos para o próximo. É muito cedo para falar.
Como vai ser se readaptar ao futebol da América do Sul, que tem um estilo de jogo bem mais lento do que o da Inglaterra?
Eu falei com o meu amigo dia destas. Nosso time tem qualidade. Temos jogadores rápidos do meio para a frente: Sasha, Vitinho, D'Alessandro e Nilmar. Se acelerarmos na frente e apertarmos, podemos chegar lá em cima do mesmo nível (que um time europeu). É uma gurizada nova. Dá para ter um time europeu do meio para frente. Se acelerarmos um pouco mais, vai ser complicado para os outros times segurarem a gente. Futebol é aquilo, só ganha quem corre. A galera tem energia. Só falta estarmos ali juntos, segurar, correr e marcar.
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Você está disposto ao sacrifício de atacar, defender?
Eu aprendi, fui obrigado. Não é porque eu estou aqui que vou mudar meu jeito de jogar. No Manchester, eu arrancava com a bola, mas tinha que voltar a marcar.
Apesar de sentir alguma solidão na Europa, como foram esses 10 anos fora?
Eu sou apaixonado pelo Manchester. Aquele clube para mim... Se perguntar para todo mundo, vão dizer: É o clube que ele ama. É o clube onde estive por oito anos. Apesar de (Cristiano) Ronaldo, Tévez, Evra terem ido embora, eu fiquei. Fiz grandes amizades no clube. Tenho casa lá. Não pretendo vender minha casa na Inglaterra. Já estava acostumado. Por exemplo, Natal e Ano-Novo... As datas que são importante no Brasil, para mim, lá não eram. No almoço, eu estava tomando leite e comendo comida. Sempre me adaptei bem.
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FOTO: Reprodução/Instagram

E o inglês?
Nos primeiros três anos, foi f... Negrinho, que nunca fez escola, chegando em um lugar onde todo mundo fala diferente, é complicado. Em Portugal, era tranquilo. Quando me falaram que eu ia para Inglaterra, falei: "Pô, Inglaterra?" A língua era complicada. Chegando lá, morei com o (Cristiano) Ronaldo por um ano. Ele sempre cuidava de mim. E eu nunca fui um cara que tive vergonha. Apesar de tentar falar, eu falava errado mesmo.
Inglês ao estilo Joel Santana?
Eu falava. O (Cristiano) Ronaldo começou a implicar que eu não falava. Fui dar uma entrevista, e falei tudo errado. Mas, azar, eu tentei. A galera até dizia que eu estava lá há oito anos e não falava inglês. Mas eles me entendem. Eles entendem do jeito que eu falo. Posso falar errado, que eles sabem o que eu falo.
Nesse um ano morando com o Cristiano Ronaldo, teve muita festa?
Não. Tem horas, né? (Cristiano) Ronaldo não é de sair. É um cara complicado. Quem disser que Ronaldo é de festa, é mentira. Quem conhece ele, sabe. Às vezes, final de semana, que está ganhando tudo, ganhando todos os campeonatos, tem que sair, não vai ficar dentro de casa. Tem que curtir a vida. Pô, 20 anos, 21 anos, quer que eu fique dentro de casa? Tu aí, na tua idade, também sai.
Você é uma pessoa que também diz respeito às questões do Grêmio, é o grande nome da Batalha dos Aflitos. Lembrar deste fato é uma coisa que atrapalha o clube por não ter tido um outro grande título, além de três estaduais desde 2005? O que você pensa sobre isto?
O Grêmio é um clube grande. E a torcida espera muita coisa. Mas não adianta só a torcida. A diretoria tem que querer também, contratar gente, fazer pela torcida. O Grêmio... complicado. Um clube vive de títulos. E o Grêmio sempre manda o treinador embora. Agora, o Felipão acertou um pouco o time do Grêmio. Montou um pouco uma estrutura, mudou muita coisa. Mas não adianta só ele empurrar o barco contra 300, entendeu? Tem que puxar todo mundo, ir para o mesmo lado. O clube tem nome, é clube grande, tem novo estádio. Mas não adianta só os torcedores quererem e a diretoria não querer. Começa desde lá de cima até o porteiro.

Qual o teu objetivo no Inter?
É ganhar a Libertadores e o Brasileiro também. Quantos anos o Inter não ganha o Brasileiro (desde 1979)? Este é o objetivo de todo mundo.
Não se pode prever lesões, mas você se considera forte para aguentar a temporada toda?
Forte. Estou muito bem, graças a Deus. O que eu precisava eram jogos. Esta é a grande verdade. E é isto que eu vou fazer. No momento que eu estiver com quatro, cinco jogos seguidos, aí pode vir me cobrar. Me dá seis jogos, aí vou começar a aparecer. Não adianta jogar um e, depois de dois meses, jogar de novo. Não existe jogador que pegue condição física assim. Não adianta. Com Ferguson era assim: jogava uma partida, outra não. Mas estava sempre jogando, sempre bem.
Você suporta jogos às quartas e aos domingos, como é no Brasil?
Vou ter de jogar, sou obrigado a aguentar. Tenho 26 anos, tenho que aguentar. Minha condição física é diferente. Quando eu jogo e jogo de novo, fico melhor. Cada jogo, eu vou melhorando, até chegar a um patamar.
O seu objetivo também é voltar à Seleção Brasileira?
É. Mas meu objetivo primeiro é estar aqui. Mostrar porque eu vim aqui. Este é o meu objetivo.
Você pensa virar ídolo no Inter?
Virar ídolo e sair pela porta da frente. Entrei pela porta da frente, quero sair pela porta da frente. Este é o meu objetivo. Ganhar troféus, como o professor falou. Se tiver que ficar um, dois anos a mais para ganhar estes título... Dar o meu melhor ao grupo. Só depende da gente. Temos um grupo bom.
Colunistas opinam: o Inter deve manter o esquema com três atacantes?
E depois que abandonar a carreira, o plano é voltar para a Europa?
Ah, não sei. Vou para a minha fazenda, em Alegrete. Ficar tranquilo com os meus gados, olhar as ovelhinhas passando. Depende. Minhas filhas estarão grandes, vou mandar elas para fora, para estudar.
Você nasceu e foi criado no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre. Voltou lá depois da fama?
Voltei um dia. A galera disse que não estava muito seguro para voltar. Disseram que eu não precisava voltar, mas continuo falando com a galera por telefone. Penso agora, com calma. Quero ver se consigo falar com alguém lá de dentro para arrumar o Campão, que tem no meio (do bairro), para ajudar a galera. Joguei lá. Passei minha vida toda lá.
Jogou com o irmão do Sasha lá, o Xuxa (Robson, que não seguiu carreira no futebol)?
O Sasha eu vi crescendo, era um piazinho.
Quer fazer algo pelo Rubem Berta?
Eu quero. Eu devo isto. Não só pelo Rubem Berta, mas pela galera que jogou comigo. Tinha muita de qualidade no bairro. Eu sempre falo isso, ajuda um ali e, com certeza, tu vais ganhar mais para frente. Este é o objetivo.
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