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Diego Aguirre chega para a conversa com ZH com a calma e a tranquilidade que ganharam destaque nos oito meses em que treinou o Inter. Contratado e anunciado como treinador do Atlético-MG, decidiu falar pela primeira vez desde sua demissão no Beira-Rio.
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Em 40 minutos de conversa, o uruguaio repercute sua escolha por Minas Gerais, faz uma avaliação do futebol brasileiro, mas, principalmente, rebate críticas e declarações de dirigentes do Inter sobre o preparador físico Fernando Pignatares, integrante de sua comissão técnica. O uruguaio quer marcar época no Atlético-MG - e aparenta saber o caminho a percorrer para que isso ocorra.
Você acredita que o trabalho no Inter foi o responsável por assinar com o Atlético-MG?
Sim, totalmente. Ter passado pelo Inter me abriu as portas do Brasil. Mostramos coisas boas para que times importantes do Brasil me quisessem como técnico. O Inter me deu a chance. E é difícil para um estrangeiro trabalhar no país. Não lembro que tenha havido algum estrangeiro que permaneceu como treinador de time grande aqui. O que vivi em Porto Alegre é inesquecível.
Por que o Atlético-MG?
Tive propostas de fora (do Al-Gharafa, do Catar) e de clubes importantes do Brasil (Cruzeiro e São Paulo). A verdade é que senti determinação no presidente do Atlético-MG (Daniel Nepomuceno) e em (Eduardo) Maluf (diretor de futebol mineiro). Quando eles enfrentaram o Grêmio, aqui em Porto Alegre, eles me ligaram e pediram para que eu voasse até aqui. Jantamos no domingo à noite e em duas reuniões acertamos tudo. É um clube enorme, com grande estrutura, gente séria. São vice-campeões brasileiros. É uma grande chance.
E você conhece bem aquele grupo.
Sim, é uma vantagem. Quando vim para o Inter, não conhecia ninguém. Tinha de aprender sobre 30 jogadores. Houve alguma dificuldade. Que não terei em Minas Gerais. Foi importante termos os eliminado na Libertadores. Aqueles dois jogos foram espetaculares. Em alto nível de futebol. As principais atuações do Inter na Libertadores. Também teve La U, de Chile, e Santa Fe. Mas, pela qualidade do rival, lá e aqui, tivemos de jogar muito.
Mais do que jogar bem, há a malandragem do futebol brasileiro, os bastidores, as viagens.
Eu era novo aqui. Conheço muito do futebol do Uruguai, mas aqui, como estrangeiro, tinham coisas culturais que eu não entendia. Estou mais experiente a respeito do futebol brasileiro. Sem dúvida. Sei como as coisas funcionam.
Quais coisas?
Falo de conhecimento de competição, viagens, número alto de jogos, mentalidade de jogadores. Como vivem o futebol, o que sentem. Já havia jogado aqui no Brasil (no Inter e no São Paulo), mas foi diferente, eram outros tempos. Mudou tudo. Tenho conhecimento de como funciona o futebol brasileiro, a estrutura, como jogar em casa, como jogar fora. Coisas que são diferentes nos outros lugares por onde passei.
Agora, olhando para trás, você faria algo diferente no Inter?
Talvez. Tivemos muitos acertos, muitas coisas boas. Mas sempre há algo que se poderia ter feito diferente, ter sido melhorado. Em geral, tenho a tranquilidade de que fizemos um grande trabalho. Primeiro, porque fomos muito honestos. Tivemos muita dedicação. Fomos responsáveis desde o primeiro dia de trabalho. E não foi fácil. Desde o começo tivemos desconfiança. Praticamente, em todos os jogos do Gauchão vinha a pergunta "Você vai ser demitido?". Essa não faltava nunca (risos). Isso mostra um ar de desconfiança, de dentro do clube - não estou falando da imprensa e da torcida. Essa desconfiança vinha pelo desconhecimento e pela novidade, pelo diferente. Isso é normal quando você está acostumado com um tipo de trabalho, de muitos anos, com tradição - e diferente - é normal que se sinta medo (de mudar). Mas eu tenho certeza de que daqui a uns anos, todo o Brasil treinará como nós treinamos o Inter. E irão falar "ah, te lembra lá do Diego, no Inter...".
Como ter tanta certeza disso?
O mundo do futebol vai para esse lado. Estivemos em Madri, no Atlético de Madrid, e ficamos uma semana lá. O preparador físico (Óscar Ortega) é uruguaio e (Diego) Simeone é o treinador. O Atlético de Madrid é um dos principais time da Europa na atualidade. E o que eles fazem nos treinamentos se assemelha muito à nossa forma de trabalhar. Por isso trabalhamos tranquilos. É um trabalho em nível mundial. Em algum momento o Brasil mudará.
Não era estranho ouvir sempre a mesma pergunta sobre possível demissão?
É evidente. E eu sei por quê. Havia desconfiança de dentro do clube. De pessoas que não entendiam nossa metodologia de trabalho. Não aceitavam algumas coisas.
Por exemplo?
Criticou-se muito a preparação física. Primeira coisa: Fernando Pignatares, meu preparador, é um dos melhores que já passou pelo Inter. Foi eleito duas vezes o melhor preparador físico do Uruguai. Ele é de alto nível. E quando você tem um nível superior, os demais custam a entender. Fiquei chateado quando ouvi coisas a respeito de meu parceiro, de meu companheiro de trabalho. Não se separa mais, no futebol, preparação física com preparação técnica. É uma unidade. Aqui, a mentalidade é de se preparar o atleta, corridas, coisas que não existe mais. Não se faz rachão. As críticas vieram por ali (pela área de preparação física). Me dou muito bem com o presidente (Vitorio) Piffero. Mas ele acreditou em seu preparador físico e não no meu preparador físico.
Em infográfico, relembre 10 momentos de Aguirre no Inter:
Houve algum boicote extravestiário?
Boicote é uma palavra forte. Eles (os dirigentes) são inseguros. Por desconhecimento. E é bom dizer que não critico a outra forma de trabalho. Respeito, aceito e tenho convicção de que as coisas novas assustaram. Por que quando o Inter foi campeão gaúcho, quando patrolamos, passamos por cima do Grêmio, não falaram da preparação física? Ou quando eliminamos o Atlético-MG - porque tem de se estar bem fisicamente para ganhar do Atlético? Fomos o melhor time brasileiro na Libertadores. Nesse momento, ninguém falava nada. Todos falavam que era um trabalho espetacular. Foi sairmos da Libertadores e nada mais prestava. Isso foi trairagem.
Como você avalia a goleada no Gre-Nal após sua demissão?
Fiquei triste demais por aquele Gre-Nal. Pelos jogadores, pelo Odair (Hellmann, interino na ocasião), pela torcida. Quem tomou a decisão (da demissão) é o responsável pelo resultado. Tenho convicção que não não perderíamos o Gre-Nal. Estávamos bem, tranquilos. Os jogadores ficaram nervosos, inseguros. Os meninos, principalmente. Ficaram tristes. O resultado foi isso, uma grande irresponsabilidade. O fato novo foi que tomaram cinco gols.
Você foi muito cobrado por não usar Vitinho e Anderson. Do último, a direção afirma que teve seu aval.
Não tive nada a ver com Anderson. Ninguém dentro do Inter queria. Foi um negócio feito diretamente pelo presidente. Vitinho não jogava comigo porque ele chegou após um tempo longo de inatividade (Vitinho estava lesionado no final de 2014). Havia Nilmar, havia Sasha, havia Valdívia. E ele não aproveitava as oportunidades. Fiquei feliz que ele tenha estourado no segundo semestre, pois é um grande menino, grande jogador. Demorou para explodir, mas são coisas que acontecem no futebol.
Após a chegada de Argel e da retomada do Inter no Brasileiro, as críticas ao teu trabalho aumentaram.
Querem encontrar alguma desculpa. Algo que possa ser falado para a tomada da decisão (da demissão). Porque tenho certeza de que teríamos ido melhor na Copa do Brasil. É claro que ficamos tristes pela eliminação na Libertadores, mas também as críticas internas (à preparação física) influenciaram para gerar insegurança no grupo.
Então as críticas à preparação física não passaram de uma desculpa para a demissão?
O que sabe o presidente de preparação física? Você, se não é preparador físico, pode falar algo sobre um trabalho? Ou alguém te fala que é ruim? O presidente não tem conhecimento técnico para avaliar isso. Por isso eu disse: Piffero acreditou em seu preparador e não no meu.
Houve algo extracampo que influenciou a eliminação da Libertadores? Atraso de salários, janela de transferências, por exemplo?
Não. Se eu disser que sim, estarei inventando uma desculpa. O Inter não jogou bem. Enfrentamos um time que foi muito bem aqui no Beira-Rio. E tivemos a fatalidade do gol contra (do lateral esquerdo Geferson). Perdemos. Ficamos fora por um gol. Não busco coisas extras para justificar meu trabalho.
O clube está desunido ou mal-estruturado a ponto de prejudicar o vestiário?
(Pausa). Vou entrar em uma área que não é boa para falar. Encontrei no Inter pessoas espetaculares. Tivemos um relacionamento muito bom. Com o presidente eu tinha um bom relacionamento. O Inter tem pessoas muito valiosas: Adriano Loss, Jorge Macedo, Cíntia Carvalho... eles sabem de futebol, fazem bem o seu trabalho. O Alexandre Limeira é uma pessoa espetacular. Celso Chamun, Pedro Affatato.... pessoas que também ficaram surpresas quando eu fui embora. Não quero dar ênfase a coisas ruins nesta conversa. Apenas que às vezes repetimos tanto uma coisa que ela se torna verdade. Volto a dizer: meu corpo técnico e meu preparador físico são excelentes. Diga que fui demitido pela desclassificação na Libertadores. Não culpem meu preparador.
Qual sua relação com Carlos Pellegrini?
O Luís Fernando Costa (ex-vice de futebol morto em janeiro) que me trouxe ao clube. A morte dele foi ruim para o Inter e para mim. Não tenho muito o que falar sobre Pellegrini. Muitas pessoas me falaram que ele nunca me quis como treinador. Que ele falava com jornalistas, tentando desestabilizar. Me falaram isso, mais de uma pessoa. Não sei se isso é verdade. Não tinha tempo para perder buscando se isso era verdade ou não. Não dei importância a esses rumores, críticas, ao que disseram após minha saída. Foquei nas coisas boas que fizemos. Hoje quando vejo Alisson na Seleção Brasileira, Valdívia, William, Rodrigo Dourado, jogadores que jogaram comigo e que a torcida valoriza. Me sinto feliz por ter lançado esses jogadores. Tenho certeza de que o melhor futebol que o Inter jogou no ano foi comigo.
Você confirma que descobriu que o Inter estava em busca de treinador com você ainda no comando técnico?
Isso faz parte. Não me preocupo com isso. Fiquei sabendo, mas não sabia se era verdade. É natural quando você quer demitir um treinador. Você tem de procurar outro. Aqui no Brasil isso acontece muito. Trocaram 32 treinadores. São 19 times. É triste, mas é a realidade do futebol brasileiro.
Como você define o ano do Inter?
Não falarei do trabalho de Argel, que foi muito bom, em relação a resultados. Fica sempre a dúvida de onde teríamos chegado se eu tivesse permanecido. Não sei. E não posso falar do trabalho de Argel pois não sei que tipo de trabalho ele fez. Não acompanho. Posso falar dos números, dos resultados, que são bons.
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