
Ele ia ontem para o médico, nas cercanias do mesmo Eucaliptos onde morou por um ano quando chegou a Porto Alegre em 1954, quando ouviu o barulho das máquinas. Teve medo. Desconfiava do que se tratava. Mas os verdadeiros centroavantes não têm medo. Desviou um tanto do caminho do consultório, parou o carro na Rua Silveiro e teve a certeza: naquele instante, uma parte da sua vida, da história do futebol gaúcho e da capital gaúcha começava a sumir para sempre, diante dos próprios olhos. Então, Larry, 79 anos, emblema dos tempos de glória dos Eucaliptos, suspirou, guardou silêncio solene e disse:
- Agora serão só minhas lembranças.
A Melnick Even, que comprou junto ao Inter a área por R$ 28 milhões, bem mais do que o dinheiro arrecadado por Ildo Meneghetti para comprar o terreno no Menino Deus, em 1931, começou a demolição do estádio, quatro anos depois da decisão de vendê-lo. Em seu lugar, em vez do campo onde os craques do Rolo Compressor patrolavam adversários do país inteiro nos anos 40, serão erguidas torres de um condomínio de luxo. Em vez do alojamento que serviu de casa para Larry Pinto de Faria, recém-chegado do Fluminense (ele, Bodinho, Gerônimo e Salvador moraram juntos ali), áreas de lazer. Em vez das arquibancadas da Dona Augusta, tantas vezes lotada de homens de chapéu e gravata, quem sabe estacionamentos.
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- Durante anos, o Eucaliptos foi o grande palco do futebol gaúcho. E foi, também, a minha vida - diz Larry.
E foi mesmo. Em 260 jogos, Larry marcou 176 gols. Sete deles em quatro Gre-Nais, logo no primeiro ano de Inter, aí incluídos os quatro no 6 a 2 do torneio de inauguração do Olímpico. Juntos, ele e Bodinho somam 410 gols. Quase todos marcados no estádio que agora vai sumir do mapa. Só nos 18 jogos do Gauchão de 1955, Larry fez 23; Bodinho, 25. Disputou a Olimpíada de 1954, em Helsinque, ao lado de Evaristo, Vavá e Zózimo. Ganhou o Pan-Americano de 1956, quando um combinado gaúcho representou a seleção brasileira.
Sem o "Majestoso", apelido do Eucaliptos, para servir de combustível na memória, restarão mesmo só lembranças. Lindas lembranças, de um tempo romântico em que os jogadores iam a pé jogar fora de casa, no Força e Luz, na Baixada, na Montanha. Uma delas é a do volante Salvador, negro gigantesco que vestiu a camisa 5 do Inter nos anos 50 e fez história no Peñarol e no River Plate.
Não havia cama do tamanho de Salvador na concentração dos Eucaliptos, na verdade uma peça única forrada de paredes nuas com banheiro comum. As canelas ficavam de fora, o que deve ser incômodo. Nas noites de calor, Salvador apanhava o lençol e o travesseiro e dormia no círculo central. Era volante até dormindo. O goleiro Milton Vergara trazia funda de casa para acertar o moleque gremista que lhe atazanava a paciência trepado na árvore atrás da goleira. Não havia agentes, assessores, empresários. Os torcedores convidavam os jogadores para um churrasco em casa e eles iam, com mulher e filhos. Depois dos treinos, subiam todos para as cabines de imprensa, no ponto mais alto do estádio, e viam juntos os navios partindo do Guaíba.
- Vou ficar com saudade da minha casa. Mas a história não se apaga - sorri Larry.
Tem razão o Larry. A história não se apaga, porque a história não morre. O Eucaliptos começou a desaparecer ontem, mas seguirá vivo em algum lugar do passado.