

Eram 10h de uma quinta-feira ensolarada quando cheguei a um café em Leitza, um vilarejo basco em um vale verde e escarpado ao sul de San Sebastián, em busca de indicações de caminho. A barista e os dois clientes, homens idosos com as boinas tradicionais do País Basco, sabiam quem eu estava procurando antes mesmo de eu perguntar. Iñaki Perurena é o Michael Jordan do harrijasotzaile, ou levantamento de pedra, um herri kirolak, ou esporte rural basco que é parte fundamental da cultura basca há mais de um século, e eu havia vindo a Leitza em busca de seu museu e jardim de esculturas dedicado ao esporte incomum.
- Vá ao açougue e fale com a irmã dele, María Jesus, afirmou a barista em espanhol, que é basicamente a segunda língua no País Basco.
Dentro do pequeno açougue da família, María Jesus deu um telefonema, enquanto eu observava uma parede cheia de fotos de Perurena e dos filhos levantando pedras gigantescas. Minutos mais tarde ele apareceu, estendendo uma de suas mãos de urso para me cumprimentar.
Depois de uma rodada de café com leite, observando a bela praça central em estilo alpino de Leitza, Perurena me contou sobre as origens utilitárias dos esportes rurais tradicionais do País Basco.
- Os esportes bascos vêm do trabalho que as pessoas faziam nas fazendas bascas e esse trabalho se transformou em esporte, afirmou.
Antes de minha primeira visita ao País Basco, eu me familiarizei com alguns dos elementos mais específicos da cultura basca: os pintxos (a versão basca das tapas), as sagardotegis (casas de cidras), o bertsolaris (uma espécie de rap basco), o txokos (clubes gastronômicos onde geralmente só homens entram) e, naturalmente, a distinta língua basca, o Euskara, que muitos acreditam ser uma das línguas vivas mais antigas da Europa.
Mas eu estava especialmente fascinado pelo pequeno texto no meu guia de viagens que descrevia os peculiares esportes rurais do País Basco - corte de lenha, levantamento de fardos de feno, lançamento de fardos de feno, carregamento de latões de leite, abertura de buracos, levantamento de pedras e vários outros. E encontrei uma alma gêmea em David Lachiondo, professor adjunto de Estudos Bascos da Universidade de Boise State.
- Os esportes rurais bascos são equivalentes ao rodeio nos Estados Unidos. Esses esportes fazem parte integral da identidade basca, afirmou durante uma entrevista por telefone.
Embora a pelota e, até certo grau, o jai alai, outro jogo inventado pelos bascos, estejam ganhando espaço, Perurena não respondeu quando perguntei pela primeira vez se o esporte dele continuava firme e forte.
- Tudo fará sentido quando você chegar a Peru Harri, afirmou, referindo-se à fazenda centenária onde ele e os filhos construíram o museu do levantamento de pedra e um parque de esculturas.
A paisagem de Peru Harri é dominada por uma escultura de 7,6 metros de altura exibindo um levantador com uma pedra enorme sobre os ombros. O atleta está cercado por uma série de esculturas impressionantes e surrealistas, incluindo a de um homem sendo atravessado por uma espada, outra de uma mão gigantesca e uma terceira de uma boina basca, em homenagem ao pai de Perurena, já falecido, que nunca saía de casa sem uma.
Os bascos, de acordo com Perurena, são muito espiritualizados e fortemente ligados à terra. Ele apontou para quatro pedras com as palavras água, fogo, terra e mãe terra, para ilustrar seu exemplo. Peru Harri, aberta ao público em 2009, também é uma propriedade rural funcional, com 70 cabeças de gado que fornecem carne para o açougue da família. Perurena comanda os passeios e cobra uma entrada de 4 euros em dinheiro, que geralmente inclui o traslado até Leitza. Ele comprou a propriedade há 30 anos de uma família de 9 filhos que vivia no lugar sem água encanada, eletricidade ou meio de transporte.
- Nada mudou por aqui durante séculos. Quando estávamos começando a construir, encontramos um machado que tinha mais de mil anos, e nos arredores, pinturas rupestres que dizem ter 25 mil anos de idade, afirmou.
Perurena, de 57 anos, é açougueiro, estrela de novelas na TV basca, além de guia turístico. Porém, é famoso nessa região por seus feitos no levantamento de pedras. E depois de assistir um filme de sua força sobre-humana no museu, é fácil entender o porquê. Nós vimos vídeos em que ele levantava pedras com mais de 320 quilos; outras imagens em que levantava uma outra de 270 quilos com uma mão; além de uma em que rolava uma pedra de 210 quilos em torno do pescoço 36 vezes em um minuto. Ele nos contou que certa vez, para celebrar o episódio número 1.700 de "Goenkale", a novela estrelada por ele, ele levantou uma pedra de 95 quilos 1.700 vezes em nove horas.
- Como você se sentiu depois disso?, perguntei.
- Bueno, dava para ter feito mais, respondeu.
Enquanto nos mostrava a área, Perurena explicou que esportes como o levantamento de pedras, a corrida de barcos, o corte de lenha, a luta de ovelhas e outros desse tipo foram desenvolvidos e ganharam popularidade porque envolviam atividades do dia a dia que os agricultores e pescadores precisavam superar para ganhar a vida. O levantamento de pedras se transformou em esporte nos últimos cem anos, aproximadamente, porque as propriedades rurais bascas costumam ser rochosas, e os agricultores precisavam mover pedras enormes para trabalhar a terra.
Atualmente, os visitantes podem aprender sobre os esportes rurais bascos na fazenda Peru Harri e vê-los ao vivo durante os festivais municipais em homenagem aos santos padroeiros que acontecem em toda a região basca. Alguns dos mais conhecidos são o Festival da Virgem Branca, em Vitoria no início de agosto, a Semana Grande, em San Sebastián e Bilbao, em meados ao fim de agosto, e Bayonne no fim de julho. Os americanos podem assistir aos esportes nos festivais bascos de Chino e Bakersfield, na Califórnia, e em Elko, em Nevada.
Perurena nos contou que ainda treina todos os dias, mas já não compete mais, em função da artrite e de diversas outras doenças.
- Depois de 40 anos levantando pedras pesadas, o corpo acaba pagando a conta, afirmou.
Seu filho mais velho, Inaxio, de 29 anos, ainda compete em nível profissional, mas nunca conseguiu bater os recordes do pai.
- Os jornalistas perguntam desde que ele tinha cinco anos quando ele vai quebrar os meus recordes. Isso não é justo, lamentou Perurena.
Perurena nos contou que criou o museu para ajudar a apresentar seu esporte para o mundo. Mas quando perguntei se o esporte ainda existiria daqui a 100 anos, Saioa Martija Gónzalez, a namorada do filho mais novo, que estava interpretando a entrevista, não quis traduzir a pergunta.
- Eu não acho que o esporte vai continuar a existir. Os jovens não o praticam mais, afirmou.
Lachiondo havia me dito a mesma coisa, mas quando Martija Gónzalez transmitiu a pergunta a Perurena, sua resposta foi inequívoca.
- Se o povo basco sobreviver, e a cultura basca resistir, o esporte continuará vivo. Especialmente se mais pessoas começarem a se interessar por ele, afirmou.