Aos 65 anos, o ex-jogador Paulo Cézar Caju ainda gosta de uma polêmica. Salvo quando sorri, faz humor e destila cacos de ironia e críticas apimentadas numa voz de locutor de rádio. Fala com eloquência e agora também escreve, por trabalho e gosto pelo debate.
Mantém um blog no jornal O Globo e continua o inquieto e rebelde de quando sagrou-se tricampeão com Pelé, Gerson e Tostão na Copa de 70 e seguiu no Botafogo de Jairzinho, Olympique de Marselha, no Fluminense de Rivelino e no Grêmio de Iura e Ancheta.
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Sua grande irritação do momento é com o rodízio dos técnicos gaúchos que, segundo ele, se apropriam da Seleção e do futebol brasileiro e engessam um estilo único no país, o da força, do carrinho e do antijogo.
- Sou contra a falta de alternativa. Por que só Felipão, Mano Menezes, Dunga, Felipão de novo na Seleção? O estilo gaúcho está matando o nosso futebol. Por que não retomar o jogo cadenciado, bonito e objetivo? - disse, envergando a bandeira pela volta do drible em velocidade, do passe inteligente, do lançamento milimétrico.
Na conversa que você confere a seguir, Caju revela mágoa com o Grêmio por deixá-lo de fora das homenagens à equipe campeã do mundo de 1983, relembra suas passagens pela Seleção Brasileira na década de 70 e comenta os últimos casos de racismo no país. Confira trechos:
"Querem se separar do país?"
Que lembranças você guarda do Grêmio?
Me carregaram no colo quando cheguei ao aeroporto em 1979, o Paulo Sant'Ana me levou direto ao programa Sala de Redação (da Rádio Gaúcha), havia um ambiente gostoso no vestiário, não perdi Gre-Nal (1x1 e 2x1) e ganhei o campeonato gaúcho.
Mas queriam me quebrar no Interior. Eu não tinha medo, nunca tive lesão. No acesso ao gramado do campo do Bagé, jogaram um tijolo, podia me matar. O que é isso? Em Pelotas, quebraram o alambrado e invadiram o gramado. Em São Borja, 12 horas de ônibus, os caras de bombacha e facão na cintura encararam a gente. Outra: em Passo Fundo, a gente passou em meio a um corredor polonês formado pela torcida local e jogaram um copo de cerveja no meu rosto. O que é isso? E se o cara tem uma arma? Era contra mim.
De onde vinha essa aversão a você?
Porque eu era o negro que rebatia as besteiras que ouvia, que se vestia bem e tinha vindo do Rio. E quando eu vinha com a Seleção, eu não era um "sim senhor" e levava vaia. Por que isso? Prova de que vocês são bairristas e separatistas aconteceu no amistoso da Seleção Brasileira contra o seleção Gaúcha, em 1972, um dos maiores jogos da minha vida.
Vocês estavam mordidos porque que o Zagallo não havia convocado o Everaldo e 100 pessoas no Beira-Rio vaiaram o Brasil. Não tocaram o Hino Nacional! Só o Gaúcho. Vocês tinham Schneider; Espinosa, Figueroa, Ancheta e Everaldo: Carbone, Tovar e Torino; Valdomiro, Claudiomiro e Oberti. Lembro de tudo. Foi 3 a 3, fiz um gol, arrebentei naquele jogaço, sem nenhum pontapé. O presidente era o general Garrastazu Médici, gaúcho, e a gente pensava, vão nos matar aqui. Vocês já queriam se separar, não é? Se querem se separar, que façam.
Você só vê violência no nosso futebol?
O problema hoje é maior: o estilo gaúcho dos carrinhos e da paulada tomou conta do futebol brasileiro. Olhem dos últimos técnicos da Seleção, tem o Celso Roth, Paulo Roberto Falcão, Tite, Carpegiani. Por que não resgatam a pose de bola. É, claro, tem de saber jogar.
Falo isso porque é o meu lado crítico. Gosto do drible, que morreu. Gosto do balãozinho, não da cotovelada, do choque de cabeça. Quero ver o futebol que o Falcão fez na Roma, o que eu fiz no Olympique de Marselha, o Luiz Pereira no Atlético de Madrid. Quem é ídolo lá do Sul? Um argentino (D'Alessandro).
"Apaguei o Grêmio de 83"
O que aconteceu com você e o Grêmio no Mundial 1983?
Não falo. É um assunto morto. Não significa nada 1983 (à época, Caju foi contratado apenas para o jogo da final do Mundial de Tóquio e se sagrou campeão contra o Hamburgo). É tão chato isso. Quando surgem os eventos e não me convidam, eu fico puto. Não quero nem que me liguem mais, apaguei o Grêmio de 83.
É só mágoa pelo esquecimento?
Não falo no assunto. Minha história com o Grêmio é a de 1979, o resto não existe mais para mim. Vencemos o Gauchão sobre o timaço do Inter de Falcão, e o ambiente era maravilhoso no Olímpico, com Manga, Ancheta, André, Éder...
A Seleção de 70 é a melhor da história?
Um time mágico, de três canhotos: Gerson, Rivelino e Tostão. Cinco números 10: Jairzinho no Botafogo, Rivelino no Corinthians; Pelé no Santos, Tostão no Cruzeiro e Gerson no São Paulo. Um centromédio: Clodoaldo, que não era pitbull, carregador de piano, gladiador, guerreiro, apenas centromédio. Quer que eu narre o lance do quarto gol do Brasil contra a Itália? Carlos Alberto era maior do que Djalma Santos, que vi jogar. Havia o Brito, Piazza, excelentes, e o Marco Antônio, que era muito mais jogador que o Everaldo.
Como o grupo era forte e solidário e também pensava o time, a gente pediu ao para que o Everaldo jogasse. Era mais equilibrado, o garoto Marco Antônio estava deslumbrado. Copa se ganha assim, com gente que opina. Quem jogou bola, é claro, não esses caras aí que não sabem m. nenhuma.
O que aconteceu na Copa de 74 e por que você não foi em 78?
Me sonegaram a terceira Copa, em 1978, porque eu bati de frente com o presidente da CBD, da época, Heleno Nunes. Eu era titular absoluto, como o Falcão, Luiz Pereira, Marinho Chagas, mas levaram Chicão e Batista. Nunca ganhariam da Argentina. Eu era contestador, não gostava de sacanagem, defendia roupeiro, massagista.
A história de 1974 contra a Holanda é que a chance de fazer o gol, não fiz. Eles foram lá e marcaram. Ganharam e acabou. Não é nada dessa superioridade que falam. Mas o ambiente já era dividido entre gaúcho, carioca, paulista e mineiro. A imprensa de cada Estado dava pau nos outros. Gaúcho não joga, põe fogo ali; paulista fora, põe fogo logo adiante. Vai minando o grupo.
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