
Evandro Godoy Kunrath, torcedor gremista atingido por balas de borracha disparadas pela Brigada Militar antes de um jogo entre Grêmio e Santos, na Arena, teria se colocado "na linha de tiro" dos brigadianos, e, assim, contribuído para o incidente que o deixou cego do olho direito e com a visão do esquerdo ameaçada.
Ao menos é o que afirma o Estado, ao contestar ação cível movida pelo bancário de 41 anos, na qual ele cobra indenização de R$ 150 mil por danos morais decorrentes dos ferimentos.
Naquela noite de 28 de agosto de 2013, Evandro se preparava para entrar na Arena e assistir à partida válida pela Copa do Brasil. Cerca de meia hora antes de começar o jogo, estava próximo da entrada do estádio quando se iniciou um confronto entre policiais e torcedores.
- Eu estava com um amigo. Na confusão, ele foi para um lado, e eu tentei correr em direção à Arena. Nesse momento, fui atingido - recordou em entrevista a ZH.
Atualmente, o bancário está em licença médica - teve perda da visão do olho direito e pode ficar totalmente cego se o acúmulo de sangue perto da retina do esquerdo estourar. Por isso, segue a recomendação de evitar grandes esforços e não pode trabalhar. Se bem-sucedida, uma cirurgia retiraria o coágulo, mas há risco de ele se romper durante o procedimento.
Para a procuradoria, que representa o Estado no processo, a reação de Evandro em meio ao tumulto daquela noite contribuiu para os ferimentos. "O policial não mirou no respeitável autor, mas foi o demandante que interceptou a trajetória da bala de borracha ao surpreender o brigadiano ao correr pela linha de tiro", argumenta o procurador do Estado Leandro Cunha Silva na contestação.
- Quando eu li o documento, não acreditei. É uma afronta a tudo que eu sofri - rebate Evandro.
A atitude dos policiais no incidente motivou a abertura de um Inquérito Policial-Militar (IPM). As conclusões do relatório apontam "falha na técnica recomendada" para os disparos. Dois PMs foram indiciados por lesão corporal grave e um tenente, por omissão de socorro. Os três também são suspeitos de falso testemunho, assim como outros oito envolvidos. O procurador, em contato com ZH, garantiu que apenas transcreveu as conclusões do IPM em sua contestação.
Cunha Silva, que disse "não se recordar" dos indiciamentos e da menção aos supostos erros dos policiais no IPM, utiliza alguns trechos do relatório do inquérito na contestação. Em um deles, há o relato do deslocamento de Evandro "cruzando" a trajetória de um policial, que é usado para sustentar a tese de que o torcedor seria responsável, ao menos parcialmente, por ser baleado. A promotora Angela Dal Pos, da Promotoria da Justiça Militar, faz a ressalva de que o texto das conclusões da investigação é objetivo e "não faz nenhum juízo de valor em relação à atitude da vítima".
Diante do documento da procuradoria, que também apontou a falta de um laudo médico para comprovar as condições clínicas do torcedor, Evandro se submeteu a uma perícia.