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Personagens de um escândalo: José Maria Marin

O jogador obscuro nos anos 1950 construiu a carreira na política durante a Didatura Militar, período em que apefeiçou habilidades para gravitar em torno do poder até ser preso por corrupção na Fifa

Leandro Behs

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Três brasileiros têm suas digitais no esquema de corrupção que abalou o futebol. conheça a trajetória do ex-jogador sem talento que semeou  alianças nos campos da política e do esporte, do ex-jornalista esportivo que descobriu um filão em contratos comerciais de torneios e do empresário que se especializou em distribuir comissões.



Frank Underwood, o icônico e inescrupuloso político da série House of Cards, que vai de deputado a presidente dos Estados Unidos em um xadrez político maquiavélico, costuma dizer:

Pedro LADEIRA / AFP
José Maria Marin, 83 anos, soube conviver e se relacionar com as pessoas certas a seus interesses

- Ele escolheu dinheiro em vez de poder. Um erro que quase todos cometem. Dinheiro é mansão no bairro errado, que começa a desmoronar após 10 anos. Poder é o velho edifício de pedra, que se mantém de pé por séculos.

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José Maria Marin, 83 anos, quase sempre esteve no poder. Em sua vida adulta, soube conviver e se relacionar com as pessoas certas a seus interesses. Homem alto e com um porte atlético, chegou a ser confundido pelo ex-presidente dos EUA, Ronald Reagan, como um segurança. Na época, 1982, era o governador de São Paulo.

Marin foi ponta-direita do São Paulo (por dois jogos), do São Bento (de Marília, não o mais conhecido, o de Sorocaba) e do Jabaquara, no começo dos anos 50, enquanto concluía a universidade. No São Paulo, o ponteiro foi treinado por Vicente Feola, o técnico que deu à Seleção o primeiro Mundial, o de 1958, na Suécia.

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Amigos de Marin contam que foi ele, Feola, quem mudou a vida do ex-presidente: o mandou estudar. Começou a vida profissional como advogado, formado na turma de 1955 da USP. Nove anos depois, foi eleito vereador de São Paulo, lançado e apoiado pelo seu time de bairro, em Santo Amaro, zona sul paulista. Na época, Marin era filiado ao já extinto Partido da Representação Popular (PRP).

Em 1966, Marin assinou ficha na Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido de sustentação da Ditadura Militar. Três anos depois, chegou à presidência da Câmara de Vereadores. Em 1971, foi eleito deputado estadual. A ascensão política de Marin era notória. Bem como o seu desejo de retornar ao futebol.

Ao final de 1978, quando o seu mandato na Assembleia Legislativa paulista estava chegando ao fim, ele se aliou ao então prefeito da capital paulista, Paulo Maluf, e formou com ele a chapa que governaria o Estado de 1979 a 1983, com Marin como vice. Maluf se licenciou do cargo em maio de 1982, a fim de concorrer a uma cadeira no Congresso Nacional. José Maria Marin, então, se tornou o 26º governador paulista durante 10 meses, até março de 1983.

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Nesse período, ambos já haviam assinado ficha com o antigo Partido Democrático Social (PDS). De infância simples, Marin chegava aos 50 anos fazendo parte da rica elite paulistana. O filho do imigrante espanhol Joaquín Marín y Umañes, um boxeador que se mudou para o Brasil e que se apresentava como Jack, el Terrible, passava a mover as peças para chegar cada vez mais perto do poder.

Ainda como vice de Paulo Maluf, em 1982, Marin decidiu voltar ao futebol. E concorreu à presidência da Federação Paulista contra o antigo aliado de Arena Nabi Abi Chedid. Ganhou por 57 votos em uma eleição que foi parar na Justiça e cuja apuração por pouco não teve a intervenção do Exército. Nabi Abi Chedid acusou Marin de utilizar a máquina do governo para assegurar a eleição.

Como vice-governador, ao final de 1981, ele firmou mais de uma centena de convênios com prefeituras do Interior para a construção de campos de futebol e melhorias de estádios.


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Além disso, na época, houve uma liberação recorde de verbas para presidentes de ligas do Interior - todos com direito a voto na eleição. Apelidado de " irmão siamês" de Maluf, Marin deixou o Palácio do Bandeirantes, em maio de 1983, de maneira constrangedora. Foi vaiado ao passar o cargo para Franco Montoro, eleito governador de São Paulo pelo voto popular.

Marin encerrou o mandato sem ter as contas aprovadas e com forte suspeita de irregularidades junto à Caixa Econômica Estadual.

Fora do governo, pôde se dedicar exclusivamente à Federação Paulista de Futebol. De onde saiu somente em 1988. Em 1986, a convite de Nabi, então vice-presidente da CBF - mas, na prática, quem dava as cartas na entidade -, ele foi o chefe da delegação brasileira na Copa do México, em 1986. Nabi e Marin já eram amigos de novo. Desde então, Marin sempre esteve ligado à CBF.

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Marin foi se tornando um homem cada vez mais endinheirado. Em sua última declaração de bens ao Tribunal Regional Eleitoral (TRT-SP), na eleição de 2002, quando concorreu ao Senado (e não se elegeu), disse ter um patrimônio de R$ 4,4 milhões - em imóveis, terrenos e cotas de empresas. Porém, apenas o seu apartamento, no Jardins, bairro nobre da capital paulista, valia R$ 5 milhões.

Marin ficou nacionalmente conhecido em janeiro de 2012. Vaidoso, com o cabelo acaju, camisa social e calça jeans, o vice-presidente da CBF para a região sudeste estava no palco montado para a final da tradicional Copa São Paulo de Juniores.

Em vez de entregar a medalha a um jogador do Corinthians, as imagens de TV mostram o veterano dirigente enrolando a fita amarela na premiação, colocando-a em seu bolso esquerdo e se virando para solicitar outra medalha a uma das ajudantes. Na ocasião, a Federação Paulista de Futebol, então presidida por Marco Polo Del Nero (atual presidente da CBF), justificou que era praxe todos os dirigentes da FPF receberem a medalha. Mas o goleiro Matheus, campeão com o Corinthians, ficou sem a sua. E Marin ganhou das redes sociais o jocoso apelido de Zé das Medalhas.

Aos 79 anos, então o mais velho dos vice-presidentes de Ricardo Teixeira, José Maria Marin acabou presidente da CBF em 2012, após a renúncia de Teixeira, assumindo também o comando do Comitê Organizador Local (COL) para a Copa do Mundo.

Na última quarta-feira, o ex-presidente da CBF foi preso em um hotel de Zurique, na Suíça, por suspeita de ter recebido propina em contrato de direitos de transmissão da Copa América e da Copa do Brasil. O dirigente acabou eliminado do futebol pela Fifa.

No dia seguinte, o suntuoso prédio da CBF no Rio de Janeiro teve o nome em homenagem a José Maria Marin retirado da fachada. Dessa vez, nem a proximidade do poder ajudou Marin.

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