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Pré-candidato à presidência da Fifa, Zico repete: quer mudar a imagem da entidade que rege o futebol mundial. Os escândalos de corrupção apurados pela operação Fifagate, coordenada pelo FBI, culminaram com a renúncia do presidente Joseph Blatter.
Novas eleições foram convocadas para fevereiro de 2016. Mas, para quem pretende concorrer ao cargo, o prazo é outro: até 26 de outubro, o interessado precisa ter apoio de pelo menos cinco federações nacionais.
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É nisso que está trabalhando o atual técnico do Goa, que disputa a Indian Superleague. Ídolo no Brasil, no Japão, na Turquia, na Índia e em outros países em que atuou como jogador e como técnico, Arthur Antunes Coimbra tenta fazer valer a credibilidade alcançada em seus 62 anos de vida, quase todos ligados ao esporte, para poder disputar o cargo, provavelmente contra o presidente da Uefa, Michel Platini, o príncipe jordaniano Ali Bin Al-Hussein e o sul-coreano Chung Mong-Joon.
Nesta entrevista, o Galinho de Quintino, apelido dos tempos de Flamengo, falou também sobre futebol brasileiro e a carreira de técnico do outro lado do mundo.
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A divulgação dos escândalos de corrupção da Fifa o surpreendeu?
Não surpreendeu porque isso já vem sendo falado há muito tempo. Onde há fumaça, há fogo. São sempre informações de pessoas com credibilidade. Os fatos eram muito concretos.
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Foto: Rafael Ribeiro / CBF
Como está sendo a busca por apoios para a eleição?
A busca de apoios é apenas para seguir o regulamento da entidade, e não para fazer acordos nem troca de favores. Nem nada. É apenas o que tem que ser cumprido. E que eu sou contra. Acho errado. Acho que você não precisa ter indicação de ninguém para ser candidato. Você tem de ter serviço prestado ao futebol. Isso (busca de apoios) já dá chance de as coisas terem dificuldade de mudança. Porque, para quem está no meio do jogo, a possibilidade é grande (de ocorrer corrupção). Minha meta é interferir nesse quadro, nessa mudança, para que todos fiquem livres para ter a oportunidade de fazer algo pelo futebol. Nós temos ex-jogadores, técnicos, médicos, preparadores físicos, uma quantidade de profissões engajadas no futebol, que podem ter possibilidade de candidatura. As cartas que estou enviando às federações são nesse sentido. Mostram aquilo que pretendo. Lógico que estou fazendo isso por mera formalidade.
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O senhor foi criticado por ter buscado apoio na CBF, cujo presidente nem sai do país para acompanhar as seleções...
Se você vai falar de pessoas que têm problemas, são várias. Eu não falo com as pessoas, falo com as entidades. E as pessoas estão soltas. Estão por aí, dirigindo entidades. A questão não compete a mim.
É pela burocracia então?
É pela burocracia e sem nenhum acordo de volta. Pelos meus serviços ao futebol brasileiro, por tudo aquilo que acho que represento ao futebol brasileiro, são 10 anos jogados na Seleção, fui secretário de esportes... Então, o primeiro caminho, a meu ver, era ter uma opinião da entidade do meu país. Independentemente de quem esteja lá. Agora, você cumprimentar as pessoas, ser educado, não quer dizer que você está abraçando ninguém nem uma ideia de troco. E nem pode acontecer isso. A gente aperta a mão e fala com as pessoas por educação. Não cabe a nós julgar se as pessoas deveriam estar em outro lugar ou não. Se elas estão trabalhando, exercendo a função, você tem que ter o contato. Se alguém quer criticar, que critique. Mas isso não vai mudar minha forma. Já cumprimentei muitas pessoas quando, na verdade, estava cumprimentando os cargos, e não as pessoas em si.
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Se o senhor conseguir os apoios, for candidato e ganhar a eleição, o que fará primeiro?
A primeira coisa? Acho que não existe primeira coisa. Existem pontos que você vai colocar e que vão ser, antes de tudo, debatidos. O mais importante é restituir a credibilidade depois de tudo isso que infelizmente aconteceu. Tentar dar outra cara a uma entidade que precisa entender que precisa inverter as coisas: usar os benefícios para o futebol e não para as pessoas. Tentar colocar na cabeça daquelas pessoas que a entidade tem que servir ao futebol. Essa é a minha plataforma, a transparência. Hoje, a Fifa é muito fechada, sempre com os mesmos mandando. Temos que abrir isso, ouvir opiniões, ouvir os clubes.
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Se o senhor não conseguir se candidatar, já pensou se vai apoiar Platini, o príncipe jordaniano Ali Bin Al-Hussein ou o magnata sul-coreano Chung Mong-Joon?
Não. Não conheço o príncipe, não conheço o coreano. Sou amigo do Platini. É lógico, mas só apoio se tiver o pensamento dentro da minha filosofia. E não para continuar como está. Precisamos ter um debate, onde cada um pode colocar seu ponto de vista, apresentar sua plataforma.
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Foto: Diego vara
O senhor tem um grupo de trabalho com que pretende contar?
Nesse momento tenho quatro pessoas. Estamos em contato constante, montando um passo a passo, que será montado por toda a equipe. Continuo como técnico na Índia, mas hoje, com a facilidade na comunicação, não importa onde você esteja no mundo, consegue estar em reunião constante. Cada passo que a gente dá vai ajudando a equipe a ser formada. Mas sem gastos. Sem recursos. Só na base do voluntariado.
O ideal não seria começar sendo dirigente da CBF?
Seria o ideal começar pela entidade do nosso país. Na verdade, começar por clube - que eu já estive -, passar por federação e então confederação. Mas desde o momento que houvesse possibilidade de você ser candidato. Hoje, é menos difícil você ser candidato à presidência da Fifa do que para a CBF. Na CBF são 47 votos, entre as 27 federações e os 20 clubes da Série A. E você tem que ter apoio de oito federações e cinco clubes. São 13. Ou seja, só é possível ter três candidatos, no máximo. Então, você já vai excluindo. Se você chega de uma hora para outra, para ter o apoio, é muito mais complicado. Na Fifa, de 209 confederações, só precisa do apoio de cinco. Então essa democratização é que estamos pedindo. Para que as pessoas tenham a liberdade de se candidatar. Na federação é mais complicado ainda. Hoje estão todos comprometidos. Se você lembrar, alguns anos atrás, o Sócrates tentou ser candidato e acabou sendo um anticandidato, por não ter tido a possibilidade de colher as assinaturas. O ideal seria começar na CBF, mas aqui está muito complicado. Hoje, qualquer pessoa dificilmente vai ter condições de se candidatar à CBF, talvez nos próximos 12 anos.
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Como o senhor avalia a escolha para a sequência do trabalho na Seleção depois do fracasso na Copa do Mundo, com Dunga e Gilmar Rinaldi?
O que acho é que você deveria ter selecionado, em situações como essa, aqueles que conquistam. Aqueles que têm melhor resultado. Os jogadores, teoricamente, são convocados os melhores. Por que não convocar o melhor técnico? O melhor preparador físico? O melhor diretor executivo? Acho que Seleção é lugar para os melhores.
E quem seriam os melhores?
Em termos de resultado, Tite, Muricy (Ramalho), Cuca, Abel (Braga). Eles têm sido os grandes campeões do futebol brasileiro, com títulos nacionais e internacionais. Isso é uma forma de valorizar aqueles que conquistam, de se valorizar a categoria. Acho que você ser ex-jogador, ter sido campeão é importante. Mas futebol é momento. Isso acaba desestimulando os próprios treinadores brasileiros. Mas, veja bem, nada contra os nomes de pessoas. A minha questão é de filosofia.
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Foto: Arquivo Pessoal
Algum técnico estrangeiro o agradaria na Seleção?
Não vejo necessidade. Acho que o futebol brasileiro tem grandes técnicos. Você vê que na Europa são raras as seleções com técnicos estrangeiros, porque eles têm a matéria-prima. Na América do Sul é diferente, porque se sobressai o treinador argentino. É um bom momento que eles vivem e estão aproveitando.
O senhor é um técnico estrangeiro na Índia. Como tem sido esse trabalho?
Vai recomeçar em 2 de setembro. A temporada passada foi excelente. Chegamos no meio da competição para tentar arrumar o time (o Goa), conhecer os jogadores, e isso não só comigo, mas com todos os outros técnicos. Meu time foi formado com estrangeiros que ninguém conhecia. Tivemos que nos preparar naquele momento, com os jogadores da própria Índia. O pessoal foi se conhecendo. Ficamos entre os quatro, perdemos a semifinal nos pênaltis para o time que acabou sendo o campeão. Então foi um trabalho satisfatório, por isso a renovação. Só que, desta vez, deu para levar os jogadores daqui que eu conheço, e os indianos que conheço. Espero que possa ser um campeonato melhor. No ano passado, terminamos o primeiro turno na lanterna e acabamos a fase em segundo lugar.
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O senhor praticamente inventou o futebol no Japão...
Não, nada disso.
Popularizou, então. Vê alguma semelhança com a Índia?
Sim, a gente popularizou. A gente deu credibilidade e pôde transformar o futebol amador em profissional. Isso é o fator mais importante. Agora, na Índia, já existe a liga profissional. É totalmente diferente e, continuando nas regras de hoje, vai demorar muito tempo para ser igual. No Japão, todo mundo era a favor, não existia divisão. Só existia uma liga. Na Índia, há a liga independente e a liga oficial. Na oficial, só podem jogar três estrangeiros e um asiático. Na independente, são seis. E aí, os indianos muitas vezes não jogam. Ou só jogam nas mesmas posições. Assim, o futebol não evolui. Eles estão praticamente fora da Copa da Ásia porque perderam pra Guam. E acho que você nunca ouviu falar no futebol de Guam, né? Como eu não tinha (risos). Então, você vê como é. A Índia nunca passa dessa fase de pré-eliminatória.
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O senhor pensaria em continuar essa carreira de técnico no Brasil?
Não, nunca foi meu objetivo. Por causa da forte ligação que tenho com o Flamengo.
Essa ligação com o Flamengo o impediria de trabalhar em times que não são necessariamente rivais do Flamengo, como a dupla Gre-Nal?
Não são rivais, não? (risos)
Ah, não como Fluminense, Vasco, Botafogo...
Hoje a rivalidade é nacional e não mais regional só. (risos)
Mas então não faz parte dos objetivos?
Não. Se tivesse esse objetivo, teria também a Seleção. Mas nem um nem outro me passam pela cabeça. É uma escolha que eu fiz e tem 100% a ver com o Flamengo. A ligação é muito forte. Não dá para deixar de levar isso em conta.
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O senhor foi procurado por dirigentes da dupla Gre-Nal alguma vez?
Sim, fui procurado por gente que dizia representar um deles. Já faz algum tempo. Logo que eu estava voltando da Turquia, uns oito anos atrás. Outros times, de São Paulo, Paraná, Minas, também me procuraram.
Como é a eleição na Fifa
Para se candidatar à presidência, o postulante precisa ter o apoio de cinco federações nacionais entre as 209 afiliadas. Todas têm direito a voto. Para vencer em primeiro turno, o candidato precisa ter dois terços dos votos (138). Caso não consiga este número, é marcado um segundo turno. Se houver mais candidatos, a eleição é por eliminação. O menos votado é eliminado até que sobrem apenas dois.
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