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Fosse outra a voz das urnas eletrônicas das eleições presidenciais de 2014, Walter Feldman seria o "primeiro-ministro" do governo Marina Silva. Quase dois longos e trepidantes anos depois, longe de Brasília, com os dois pés fincados no Rio, o médico paulistano de 62 anos, formado no Partido Comunista, ex-PSDB, filiado ao PSB, ex-vereador, deputado estadual e federal, fala ao Brasil inteiro, mas com o megafone do secretário-geral da CBF.
Seu discurso continua mais político do que nunca e muito mais alto. O cargo foi uma oferta de Marco Polo Del Nero, o presidente afastado da CBF na cauda do tufão que varreu as lideranças da Fifa em maio do ano passado.
– As informações que temos tanto no FBI como na comissão de ética são de que não existem provas factuais contra o Marco Polo – me conta Feldman, por celular, numa manhã bem cedo.
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Feldman, que não rejeita questionamentos, é otimista com a CBF e os seus, porém o centro da conversa não envolve o passado e nem desabonadores personagens do futebol. Busca o futuro, a formação de uma liga nacional, a estruturação de um comitê de reformas e a colonização do futebol brasileiro. Está nas mãos de Feldman, o agente mais articulado na nova estrutura da entidade, restaurar a CBF, guiado por uma das mais importantes consultorias do mundo.
– Queremos implantar uma gestão de transformação – garante.
Siga a conversa com a nova voz da CBF.
O que o senhor, como uma história de militância política, faz na CBF?
Olha, tem muita relação com a Marina Silva (candidata a presidente da República em 2014). Quando a Marina subiu nas pesquisas de uma maneira espetacular, depois da morte do Eduardo Campos (ex-governador de Pernambuco), eu procurei o Marco Polo Del Nero, já eleito presidente da CBF. Convivi com ele na Federação Paulista de Futebol, eu como secretário de Esportes da cidade de São Paulo, ele como presidente da federação.
Como se deu a aproximação com o Marco Polo Del Nero?
Fiquei muito impressionado com a postura do Marco Polo, sempre com relações muito corretas. Quando estava com a Marina, procurei o Marco Polo. Disse a ele: "Se a gente for para o governo, e há uma possibilidade, quero trabalhar muito junto com você e a CBF. O futebol é um instrumento poderoso da transformação da realidade brasileira". Combinamos que, se fosse possível, trabalharíamos junto.
Assim o senhor entrou na CBF?
Bom, a Marina não foi adiante. Depois, apoiamos o Aécio Neves. Logo após as eleições, o Marco Polo me liga. Disse: "Olha Walter, eu gostei muito do que você falou. Você não gostaria de me ajudar na CBF? Implantar uma gestão de transformação, transparente, social. Tudo aquilo que a sociedade demanda. Se você aceitar, gostaria que você fosse secretário-geral". Eu fiquei muito impactado. Consultei a Marina, que entendeu. Então, aceitei.
O senhor não sente certo desconforto em circular neste ambiente?
Minha vida é de desafios. Entrei na política como integrante do Partido Comunista do Brasil em 1982. Era vereador por São Paulo. Era visto no início da redemocratização como algo folclórico. A visão romântica daquele período já me transformava em alguém que estava fora do eixo visto por políticos. Depois, nós criamos o PSDB, com Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Era um contraponto ao poder. A lógica do Brasil é estar próximo do poder. Fui líder do Covas na Assembleia. Como secretário, substituí Gerado Alckmin várias vezes no governo de São Paulo. Fui deputado federal. O senhor atuava fora do poder? Agi muitas vezes na contramão. Fazendo tudo o que eu acho correto. Você precisa trabalhar onde existem os problemas. Estar de fora, atacando, era uma prática que eu fazia muito. O futebol passa por um processo de transformação. Esse convite me fez caminhar neste sentido.
O que o senhor encontrou na CBF?
O que eu encontrei na entidade é muito diferente do que é registrado na imprensa brasileira. Há uma CBF que é traduzida publicamente por comentários críticos e ácidos diários. Muita coisa precisa mudar, mas tem uma CBF que eu vejo por dentro, que tem muita qualidade, profissionalismo e desejo de mudança e transformação. Algo expresso no comitê de reformas, apoiado pelo presidente Antonio Carlos Nunes.
Como é esse comitê de reformas?
Quando estouraram os escândalos em Zurique, a Fifa criou um comitê de transição para programar um comitê de governança e outras medidas, em fevereiro.
O que a CBF fez?
Logo após a posse de Marco Polo, ele aceitou contratar a Ernest & Young, uma das grandes consultorias do mundo, para fazer o diagnóstico dos problemas que havia na instituição. A decisão do presidente Nunes, mas já iniciada na gestão do Marco Polo, é começar as mudanças depois do diagnóstico. E que isso deveria ser feito não apenas pela direção da CBF, mas por um comitê amplo que representasse todos os protagonistas do futebol, técnicos, jogadores, mulheres, juristas, federações, clubes. O comitê de reformas começou a implantar há um mês as medidas necessárias para transformar o futebol brasileiro num futebol moderno, ágil e que represente os anseios da população.
A CBF pode voltar a ser uma instituição que orgulhe o brasileiro?
O futebol é uma área de conflito. A essência do futebol é o embate, a disputa. Sempre esperamos que seja na cultura de paz, já que o conflito é inerente ao futebol. Eu, como médico, agente público, sempre entendi a sociedade como mergulhada em conflitos a serem resolvidos pelo diálogo. É assim que eu atuo na CBF. Estas transformações serão implementadas a partir das próximas semanas, como a questão do código de ética, a nova estrutura organizacional da entidade, o debate sobre o calendário, o futebol feminino, a estruturação na base, a formação dos técnicos. Trabalhar com os técnicos é fundamental para o futuro do futebol. Tive um longo papo com o Carlos Alberto Parreira, membro do comitê de reforma. Nós vamos criar rapidamente dentro do comitê um grupo de trabalho para cuidar desta questão da formação. Acreditamos que as transformações já começaram. Estamos num caminho de apresentar o começo dessas mudanças e ganhar credibilidade, mas parte da imprensa ainda bate no comitê de reformas, não acredita. Diz que tem uma participação muito grande de CBF e de federações. Mas o comitê de reformas é o grande instrumento de transição. Creio que a CBF será em pouco tempo uma instituição de grande orgulho e uma grande mentora das mudanças no futebol brasileiro.
Marco Polo Del Nero voltará à CBF?
Sim. A chamada presunção de inocência que existe na Constituição Brasileira não é traduzida na prática. Ao ser eleito presidente, Marco Polo é, a todo momento, confundido com a história da CBF. Ele carrega nas costas um passado bastante criticado. Mas, no seu discurso de posse, ele já apontava aquele caminho que foi objeto do nosso diálogo. Vamos fazer uma CBF moderna, transparente, ética, social.
Ele é culpado das denúncias?
Não existe uma prova factual do seu envolvimento. As informações que temos, tanto no FBI quanto na comissão de ética são de que não existem provas factuais. Apesar disso, a sociedade brasileira já o condena antecipadamente, precocemente. Os elementos nos fazem acreditar que ele possa ser inocentado e voltar a exercer e completar seu mandato. Nos ajudar nessa transição que, aliás, é seu desejo.
Como vocês avaliam a Primeira Liga?
A Copa Sul-Minas-Rio foi feita de uma maneira conflitiva. Na primeira reunião, ainda com o Marco Polo, eu disse o seguinte "nenhum problema". Vamos fazer a copa, nenhum problema em relação à Liga. Se organizem, façam no modelo da Copa do Nordeste, que está dando certo e detém todos os direitos comerciais. A CBF não ganha absolutamente nada e vê a competição com bons olhos. Só que não é bem assim na prática. Alguns interesses dentro da Liga contaminaram o ambiente, mas a maioria dos seus membros que participam dos nossos encontros tem um excelente diálogo com a CBF.
E o futuro da Primeira Liga?
Nós convidamos o Gilvan de Pinho Tavares, presidente da Liga e do Cruzeiro, para conversar. Foi um acordo feito comigo, com o presidente da federação carioca, Rubens Lopes, com o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello. Foi um acordo para que a competição se desenrolasse sem nenhum conflito e é o que vem acontecendo. Vamos fazer uma reunião para organizar a competição de 2017.
A formação de uma liga nacional está no projeto estratégico da CBF?
O debate está aberto. Quando a gente cria o comitê de reformas é para discutir calendário, a organização do futebol. O grande problema é que existe uma glamurização do futebol europeu. Na minha avaliação, há claros interesses comerciais de valorizar o futebol europeu em detrimento do brasileiro. Vejo que alguns se utilizam desta retórica e não percebem a gravidade dessa situação.
Como assim?
O que mais me preocupa hoje é a colonização do futebol brasileiro, onde clubes como Bayern de Munique, Barcelona e Real Madrid estão convencendo as nossas crianças e os nossos jovens de que é bom torcer por eles em detrimento da torcida dos nossos clubes. O Brasil tem uma história dramática de colonização. O futebol não é diferente do resto da economia. O Barcelona nunca veio ao Brasil. O sucesso do futebol europeu é a sua capacidade de se planetizar. Estão convencendo o brasileiro de que o lindo é o futebol europeu.
O que pode ser feito?
A construção da internacionalização do futebol brasileiro. É a primeira vez que falo sobre isso. Estamos estudando e atentos. Quando jornalistas, muito atrás de uma emissora de TV, só glamurizam o futebol europeu, o interesse comercial está estabelecido. Os clubes estrangeiros são muito mais utilizados pelas crianças nos games do que times do Brasil. Então, essa criança que escolhe o Barcelona para o seu game, seu jogo de internet, depois se encanta e compra a camisa do time espanhol. Ele se encanta também em torcer pelo Barcelona.
O senhor está preocupado?
Multiplique isso por 10, 20, 30 anos, e o Brasil estará futebolisticamente colonizado. Nós não vamos permitir. Não creio que os dirigentes do nosso futebol sejam gestores capazes de colocar um movimento assim de pé. Você não pode deixar que um ou outro clube puxe para si os interesse que deveriam ser da liga. Tem uma parte que é espelho do futebol europeu, e nós temos que tomar cuidado para não errar como em experiência anteriores.
O calendário brasileiro pode seguir o modelo adotado pelo futebol europeu?
Não teria como fazer a equiparação do calendário brasileiro com o europeu. Todos os especialistas que ouço e converso têm a mesma interpretação. Nós temos o campeonato mais bem disputado do mundo. O Brasileirão é maravilhoso, a Copa do Brasil é um mata-mata incrível e os campeonatos estaduais são importantes. É possível fazer a Liga do Nordeste e a Copa Verde. A Copa Sul-Minas-Rio é um exemplo do que é possível fazer, mas o debate precisa ser feito com todos.
O que o senhor acha do Dunga?
O Dunga é um homem muito preparado, uma figura extraordinária. O treinador é muito criticado por um setor da imprensa. Mas é firme, campeão gaúcho, responde aos questionamentos e fala o que vê. Gosto muito do Dunga e do Gilmar Rinaldi. São dois gaúchos e, então, como eu poderia criticá-los aí na Zero Hora. O Dunga e o Gilmar fazem uma dupla incrível, mas precisam de tempo. A Seleção Brasileira não é algo que se resolve de uma partida para a outra. Acredito no Dunga e no Gilmar como condutores de bons resultados para a Seleção
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