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Entrar na Road Laver Arena para encarar a potência dos golpes de Serena Williams na semifinal do Aberto da Australia a partir das 22h desta quarta-feira é só um pequeno capítulo da vida da croata Mirjana Lucic-Baroni. Aos 34 anos, ela conclui no calor de Melbourne uma volta pontuada por dramas que renderiam um best-seller seguido de filme candidato ao oscar.
Lucic-Baroni foi semifinalista de Wimbledon aos 17 anos, em 1999. Deixou no caminho top 10, como Monica Seles, e parecia com o caminho pavimentado até o Olimpo do tênis. O que ninguém sabia era que a juvenil campeã do US Open e do Aberto da Austrália aos 14 anos sofria maus tratos do pai e treinador em casa. As derrotas custavam-lhe sapatadas nas costas e na cabeça. Passava mais de uma semana sem nem sequer conseguir se pentear direito por causa das dores.
O pai de Mirjana, um decatleta que competiu em Jogos Olímpicos pela antiga Iugoslávia, tinha influência e, apesar das denúncias, conseguia impedir as visitas da polícia à sua casa. O calvário durou até 1998. Mirjana viu a mãe ser ameaçada de morte pelo pai e decidiu que era hora de partir. Ela, a mãe e os quatro irmãos pediram asilo nos EUA. Ficaram em um esconderijo por três semanas até o governo americano concedesse entrada no país.
Quando chegou aos EUA, com apenas US$ 23 mil e com diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático, seguiu a carreira. Tanto que chegou à semifinal de Wimbledon em 1999 e virou 32 do mundo. Os medicamentos e o trauma, no entanto, a fizeram engordar. Sem recursos para disputar as principais competições, parou de jogar por dois anos em 2005. O retorno ocorreu em torneios menores, cujo orçamento permitia. Também havia receio de jogar na Europa e ser perseguida pelo pai.
Em entrevista a um jornal croata, o pai negou as agressões. Mas deixou pistas de que elas realmente existiam ao alegar que "se ocasionalmente" tivesse dado um tapa na filha havia sido por causa do comportamento e para buscar o melhor para ela.
Mirjana só voltou a se destacar no circuito dos grandes torneios em 2014, ao ganhar da romena Simona Halep, então número 2 do mundo, no Aberto dos EUA. Fechou o ano entre as cem melhores do ranking e retomou a carreira de vez.
Para chegar à semifinal em Melbourne neste ano, ela venceu Agnieszka Radwanska e Karolina Pliskova, números 3 e 5 do mundo. Mesmo que caia diante de Serena, ela já reescreveu sua história no mundo do tênis. Com a campanha na Austrália, será, pelo menos, a 29 do mundo na segunda-feira. Em uma volta por cima digna de best-seller. E também Oscar.